BELO HORIZONTE- Ápice de uma rivalidade que chega a transbordar do futebol para outros setores da relação entre os dois países vizinhos que “amam se odiar e odeiam se amar”, como se diz na Argentina, o clássico entre as duas maiores seleções sul-americanas costuma ser precedido de um pré-jogo de quase guerra, com declarações provocativas e recepção hostil ao time visitante. O ambiente para o clássico desta noite, no Mineirão, é uma exceção à regra.
Seja pela personalidade tranquila dos técnicos Tite e Edgardo Bauza, pelo companheirismo dos astros Neymar e Messi, o fato é que poucas vezes se viu um ambiente tão pacífico antes do clássico, sem promessas de “batalha”. Eliminatórias em 6 de novembro
Poucas vezes os argentinos se sentiram tão em casa fora do país: a Cidade do Galo, CT do Atlético-MG onde Messi e companhia estão concentrados, é o mesmo lugar que a Argentina ficou, e aprovou, na Copa de 2014. Nas declarações de Tite, dos jogadores da seleção e também do lado argentino, o protocolo do respeito ao adversário se sobrepôs a qualquer polêmica. Mesmo os habituais mistérios sobre escalações foram dispensados.
Mas, uma vez que a bola role, será difícil não haver competitividade acirrada. Não é apenas a primeira vez que Messi e Neymar se enfrentam pelas seleções em competições oficiais; é um jogo crucial para a Argentina, ameaçada de ficar fora da Copa de 2018, e também o primeiro grande teste do Brasil de Tite, até aqui com quatro vitórias em quatro partidas. O Brasil joga, ainda, por manter a escrita de jamais ter perdido em casa um jogo de Eliminatórias e quer uma vitória para ajudar a cicatrizar a ferida do 7 a 1 neste mesmo Mineirão. Tite tentou resumir o tamanho do clássico após o treino desta quarta-feira:
– Para a classificação, o jogo vale os três pontos, igual aos outros jogos. Porém, a dimensão do clássico, a histórias das duas equipes, tem sim um componente diferente. Seria hipocrisia dizer que é a mesma coisa. Não sei se cabe dizer “campeonato à parte”, mas é uma condição diferente. Vamos ter agora uma equipe do primeiro nível técnico. Acho que Argentina, Brasil, Chile e Uruguai, pela qualidade dos jogadores, estão acima dos outros – disse Tite. Em fotos, o retrospecto de Neymar contra a Argentina
Para a Argentina, o clássico é ainda mais decisivo. Em sexto lugar, fora da zona de classificação para a Copa de 2018, os argentinos estão hoje na mesma situação em que o Brasil se encontrava quando Tite chegou, em meio a uma grande crise. O técnico Edgardo Bauza, ex-São Paulo, também assumiu a Argentina na mesma rodada que Tite, mas, ao contrário do brasileiro, ainda não conseguiu encontrar um time. Nos quatro jogos até aqui, o time foi mal. Estreou em casa com vitória (1 a 0) sobre o Uruguai, depois empatou contra Venezuela e Peru, ambos fora de casa, e na rodada passada perdeu em casa para o Paraguai (1 a 0).
A crise portenha, na verdade, é ainda maior, e a recuperação brasileira, ao menos dentro de campo, é um exemplo a ser seguido pelos argentinos. Há dois anos, enquanto o Brasil sofria a humilhação do 7 a 1, maior derrota de sua história, a Argentina tinha uma final de Copa amarga com o vice-campeonato, aumentando a seca de títulos que se arrasta desde a Copa América de 1993.
Em 2015, a sucessão de escândalos na Fifa e nas confederações sul-americanas atingiu a CBF e a AFA (Associação de Futebol Argentino). O presidente Marco Polo Del Nero, mesmo investigado, conseguiu se preservar no comando da entidade, enquanto no país vizinho os principais dirigentes da AFA caíram, e hoje a entidade é gerida por uma “comissão normalizadora”, após sofrer intervenção.
Dentro de campo, a Argentina colecionou mais dois vices, ambos para o Chile, nas Copas América de 2015 e 2016, demitiu o técnico Tata Martino e viu Messi abandonar a seleção, para depois voltar atrás. Bauza chegou como esperança para voltar aos trilhos e, diante dos primeiros insucessos, mudou de planos para o jogo contra o Brasil.
O risco que a tabela apresenta fez o treinador voltar a seus princípios e armar uma seleção bem mais defensiva contra o Brasil. Os meias Gaitán e Banega, titulares contra o Paraguai, foram barrados para a entrada dos volantes Biglia e Enzo Pérez. Este último jogará aberto pela direita, para ajudar o lateral Zabaleta na tarefa de marcar o forte lado esquerdo ofensivo do Brasil, com Marcelo e Neymar. Na prática, Bauza volta ao 4-4-2 em duas linhas de quatro, com muita marcação e contra-ataque, esquema com que levou o San Lorenzo ao título da Libertadores em 2014. No ataque, Messi e Higuaín formam uma dupla de alto poder de fogo.
Enquanto no Brasil o ambiente é de tranquilidade, e Tite tem sido elogiado praticamente de forma unânime, Bauza já é questionado na Argentina. A diferença é tão nítida que Tite não tentou disfarçar ao comentar o momento de cada seleção.
– Independentemente de alguém chegar um pouco melhor, o que é o nosso caso em relação à Argentina, esses clássicos equilibram muito. Ninguém vai vir jogar por um ponto, um empate. São tantos jogadores com nível para decidir um jogo, dos dois lados…
Por fim, Tite falou sobre a escolha do Mineirão para receber a Argentina e, claro, do sempre discutido fantasma do 7 a 1:
– Quando chegamos, já havia essa ideia, e me perguntaram. Eu e Edu (Gaspar, coordenador-técnico) dissemos “vambora, vamos fazer no Mineirão”. Agora a gente vai rotular um local? Ah, então não vai mais jogar no Maracanã, por causa de 1950? Na vida, você tem que encarar as situações e ir em frente. (O 7 a 1) Faz parte, sim, porque é a realidade. Faz parte da história, porém tem uma pressão muito maior que eu sinto toda hora, que é representar o Brasil pentacampeão do mundo.
Ficha do jogo:
Brasil: Alisson, Daniel Alves, Marquinhos, Miranda e Marcelo; Fernandinho; Philippe Coutinho, Paulinho, Renato Augusto e Neymar; Gabriel Jesus.
Argentina: Romero, Zabaleta, Otamendi, Funes Mori e Más; Mascherano, Biglia, Enzo Pérez e Di Maria; Messi e Higuaín.
Juiz: Julio Bascuñan (CHI).
Local: Mineirão.
Horário: 21h45min.
Transmissão: Rede Globo, Sportv e rádios Globo e CBN. Brasil x Argentina: cinco jogos históricos