
Conte algo que não sei.
Os aplicativos de relacionamento adotaram uma linguagem totalmente mercadológica. Amor e mercado se confundem no presente. Fazer investimentos, acumular likes e crushs, otimizar os encontros mostram uma lógica mercantil.
E a tecnologia faz parte desse processo?
Estamos num momento político em que as questões de sexualidade e gênero estão muito pautadas na cena pública, mas, por serem também questões privadas, elas nos mobilizam muito. Os aplicativos de relacionamento começaram a ser muito usados e constituem muito do nosso campo afetivo. Nossa linguagem romântica é atravessada por uma linguagem tecnológica. Usamos frases como: ?Ele é meu crush?, ?Eu dei like?, ?Eu dei block?, ?Eu marquei ele e ele não curtiu.? Vamos criando um arsenal romântico em torno dessas tecnologias.
Por que pesquisar os aplicativos de relacionamento?
Eu pesquisava um site de relacionamentos. Paralelamente, o uso dos aplicativos móveis crescia. Quando o site acabou, percebi que a pesquisa não tinha se esgotado e, sim, passado para os aplicativos. Então, pensei na tríade masculinidades contemporâneas, tecnologias e afetos, mas agora com os aplicativos móveis. Fiz um corte na faixa etária dos 30 aos 60 anos. Quero experiências emotivas diferentes com a internet. É interessante para pensar como essas relações se dão e como são construídos o campo dos afetos e as masculinidades, a partir da relação com as tecnologias de comunicação.
Homens mais novos procuram mulheres mais velhas?
Sempre que homens na casa dos 30 anos vêm falar comigo pergunto o que procuram numa pessoa mais velha. Vem aparecendo nesses aplicativos a categoria da mulher resolvida, que chamo de versão pós-moderna da viúva alegre, a mulher que já teve filhos, não quer outros, talvez não queira que você ligue no dia seguinte. Quando mando para esses caras o questionário, vejo que não é incomum que morem com a família. É muito interessante a expectativa deles em relação às mulheres mais velhas. E isso passa muito pelo que é sexual. A mulher entre 40 e 50 anos é o que eram as balzaquianas de 30 anos. Hoje, mulheres de 30 são meninas. Então, há uma expectativa deles de que essa mulher faça sexo até pendurada no lustre (risos) e que não tenha uma demanda posterior de vínculo.
Esse comportamento masculino que se manifesta nesses aplicativos sempre existiu, ou é resultado da tecnologia?
As tecnologias de comunicação proporcionaram a todos, homens e mulheres, um alargamento do horizonte aspiracional, assim como o cinema fez nos anos 40 e 50, e os romances do século XIX ajudaram Emma Bovary a sonhar que ela teria a possibilidade de viver algo que não fosse tão medíocre como o casamento dela. Vejo um tensionamento de uma ordem moral que ainda é muito binária e impõe um estilo de masculinidade que não é mais tão facilmente aceito no mundo hétero.
Os modelos de relacionamento e de família estão falindo?
Não, nem gosto dessa palavra, porque a gente já vive uma ética romântica muito mercadológica, como disse antes. Não é falência, a gente está se reconfigurando, vendo que determinados modelos já não nos atendem por completo, o que não significa que sejam de todo ruins, porque as pessoas ainda apostam muito no par.