?Tenho 53 anos. Mais nova, queria ser jornalista. Aos 32 anos, entrei na faculdade de Ciências Sociais. Não havia Comunicação em minha cidade. Logo me apaixonei pelo curso. No doutorado tornei-me antropóloga. Hoje, dou aulas na Unesp de Bauru e pesquiso as masculinidades contemporâneas, tecnologias e afetos.?
Conte algo que não sei.
Os aplicativos de relacionamento adotaram uma linguagem totalmente mercadológica. Amor e mercado se confundem no presente. Fazer investimentos, acumular likes e crushs, otimizar os encontros mostram uma lógica mercantil.
E a tecnologia faz parte desse processo?
Estamos num momento político em que as questões de sexualidade e gênero estão muito pautadas na cena pública, mas, por serem também questões privadas, elas nos mobilizam muito. Os aplicativos de relacionamento começaram a ser muito usados e constituem muito do nosso campo afetivo. Nossa linguagem romântica é atravessada por uma linguagem tecnológica. Usamos frases como: ?Ele é meu crush?, ?Eu dei like?, ?Eu dei block?, ?Eu marquei ele e ele não curtiu.? Vamos criando um arsenal romântico em torno dessas tecnologias.
Por que pesquisar os aplicativos de relacionamento?
Eu pesquisava um site de relacionamentos. Paralelamente, o uso dos aplicativos móveis crescia. Quando o site acabou, percebi que a pesquisa não tinha se esgotado e, sim, passado para os aplicativos. Então, pensei na tríade masculinidades contemporâneas, tecnologias e afetos, mas agora com os aplicativos móveis. Fiz um corte na faixa etária dos 30 aos 60 anos. Quero experiências emotivas diferentes com a internet. É interessante para pensar como essas relações se dão e como são construídos o campo dos afetos e as masculinidades, a partir da relação com as tecnologias de comunicação.
Homens mais novos procuram mulheres mais velhas?
Sempre que homens na casa dos 30 anos vêm falar comigo pergunto o que procuram numa pessoa mais velha. Vem aparecendo nesses aplicativos a categoria da mulher resolvida, que chamo de versão pós-moderna da viúva alegre, a mulher que já teve filhos, não quer outros, talvez não queira que você ligue no dia seguinte. Quando mando para esses caras o questionário, vejo que não é incomum que morem com a família. É muito interessante a expectativa deles em relação às mulheres mais velhas. E isso passa muito pelo que é sexual. A mulher entre 40 e 50 anos é o que eram as balzaquianas de 30 anos. Hoje, mulheres de 30 são meninas. Então, há uma expectativa deles de que essa mulher faça sexo até pendurada no lustre (risos) e que não tenha uma demanda posterior de vínculo.
Esse comportamento masculino que se manifesta nesses aplicativos sempre existiu, ou é resultado da tecnologia?
As tecnologias de comunicação proporcionaram a todos, homens e mulheres, um alargamento do horizonte aspiracional, assim como o cinema fez nos anos 40 e 50, e os romances do século XIX ajudaram Emma Bovary a sonhar que ela teria a possibilidade de viver algo que não fosse tão medíocre como o casamento dela. Vejo um tensionamento de uma ordem moral que ainda é muito binária e impõe um estilo de masculinidade que não é mais tão facilmente aceito no mundo hétero.
Os modelos de relacionamento e de família estão falindo?
Não, nem gosto dessa palavra, porque a gente já vive uma ética romântica muito mercadológica, como disse antes. Não é falência, a gente está se reconfigurando, vendo que determinados modelos já não nos atendem por completo, o que não significa que sejam de todo ruins, porque as pessoas ainda apostam muito no par.