Cotidiano

Dúvidas de quem encontrou refúgio em São Paulo

2016 942255592-201609301604527140.jpg_20160930.jpg

SÃO PAULO ? Neste domingo, assim que os colombianos forem às urnas para decidir se aprovam ou não o acordo de paz entre o governo de Juan Manuel Santos e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), a incerteza sobre os rumos políticos ainda serão uma sombra para os refugiados daquele país que escolheram viver no Brasil. Vítimas da guerrilha, muitos dos que moram em São Paulo ainda não sabem se poderão soltar as borboletas amarelas imortalizadas pelo escritor conterrâneo Gabriel García Márquez, e citadas no discurso do negociador das Farc, Iván Márquez, no anúncio do tratado, dias atrás.

LINKS COLOMBIA

Atualmente, os colombianos formam a terceira maior comunidade de refugiados no Brasil, segundo o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), com 1.100 pessoas, atrás de sírios e angolanos.

Nascido em Bogotá, o cozinheiro Robert Arturo Cardenas, de 46 anos, há dois no Brasil, diz que tem ?muita raiva da guerrilha?, mas que precisa pensar no futuro dos filhos antes de seja lá qual for o resultado do plebiscito.

? Não quero que as pessoas que fizeram o mal fiquem impunes. Sequestraram, torturaram e mataram muita gente. Pegaram mulheres como escravas sexuais. A gente não pode viver com isso ? emociona-se o cozinheiro ao falar das Farc.

ULTIMATO PARA DEIXAR A COLÔMBIA

Cardenas trabalhava como segurança, assim, colecionou contatos no governo e na polícia. Acusado pelas Farc de ser um colaborador das autoridades, viveu constantemente sob ameaças e atentados. Num deles, foi baleado na perna. Cansado e com medo de ver seus cinco filhos em perigo, seguiu com dois deles, Robert Alejandro, de 12 anos, e Natalia Gaviria, de 21, rumo ao Brasil. Foram dois meses e 119 caronas até chegar aqui, onde paga as contas de um pequeno apartamento na Zona Sul de São Paulo, com o dinheiro das quentinhas que vende.

Embora receoso de sofrer novos atentados e afirmando que talvez não volte para o país, acha que o acordo é um grande passo.

? Precisamos tirar esse ressentimento do nosso coração. Se não derem ?sim? ao acordo, acredito que haverá mais guerra.

Caso a população colombiana aceite o acordo, as Farc vão se transformar em partido político, os ex-guerrilheiros poderão se reintegrar à vida civil e serão julgados por uma corte especial de Justiça, com penas mais brandas, à exceção daqueles condenados por crimes de guerra.

O empresário Cristiano Estreeter Botero, de 40 anos, não concorda com seu conterrâneo. Sequestrado pelas Farc por 29 dias, em 2013, ele não enxerga benefício algum no tratado.

Botero era dono de uma exportadora de madeiras e vivia com a família em Pasto, no Sul da Colômbia. Numa visita de negócios a Córdoba, foi levado por guerrilheiros, que exigiram de sua mulher U$ 500 mil pelo resgate.

? Foi um terror psicológico grande. Vivi condições subumanas. Urinavam na água que eu bebia e me davam a mesma comida com que alimentavam os porcos ? lembra.

A mulher do empresário conseguiu pagar somente a metade do valor exigido. Foi solto com promessas de que aquele terror voltaria. Sem ajuda da polícia e com uma filha de apenas um mês e outra de 2 anos, procurou refúgio no Brasil.

? Definitivamente, não voltaria para lá. A impunidade reina na Colômbia. E esse acordo não é a paz. É um engano. Eles nos tiraram tudo, e agora o governo entrega a Colômbia nas mãos deles? Essas pessoas não sabem fazer outra coisa senão roubar, matar, sequestrar, estuprar. Como serão inseridas na sociedade se só sabem criar o terror? Será a vitória do terrorismo e do narcotráfico ? opina ele, que hoje mora com a família na Mooca, Zona Leste da cidade, e dá aulas de espanhol e inglês.

Nascido em Tumaco, o metalúrgico Wilber Andres Buila Castillo, de 42 anos, também não acha que será feita a justiça para seu irmão, assassinado pelas Farc, mas tende a optar pelo ?sim?.

Castillo conta que em meados de 2011 descobriu que o irmão passava informações para os paramilitares, grupos de direita, também envolvidos com o narcotráfico no país. Mas ele não foi o único:

? As Farc souberam e o mataram na frente do filho de 3 anos. Três dias depois, fui na casa da minha cunhada, quando seis homens entraram fortemente armados e nos torturaram. Fui avisado no hospital que tinha menos de 24h para sair do país.

O colombiano, então, deixou para trás o filho, hoje com 18 anos, e tentou ganhar a vida no Equador e no Peru até chegar ao Brasil, em 2013.

? Quero a paz como todo colombiano, mas esse acordo não vai fazer justiça. Voto ?sim? com uma interrogação bem grande ? afirma o morador de Guarulhos, que não pretende voltar à Colômbia.