O assunto energia nuclear é visto por muitos com um grande pré-conceito, principalmente naqueles países onde a matriz elétrica nuclear não é tão comum, como é o caso do Brasil, onde essa matriz corresponde menos de 3% de toda a matriz elétrica brasileira.
Para desmistificar o assunto, a equipe de reportagem do jornal O Paraná conversou com o físico e engenheiro nuclear das Usinas Angra 1 e 2, Gunter de Moura Angelkorte, que destacou os avanços e desafios enfrentados pelo Brasil no campo da energia nuclear e seu papel na reindustrialização do país.
De acordo com o físico, a matriz elétrica é o conjunto de fontes utilizadas para a geração de eletricidade no País. No Brasil, a maior fonte de energia é a hidráulica, que corresponde a 56,8% da participação. “A gente não pode esquecer que a matriz brasileira, com razão é hidrelétrica, porque a gente tem recursos que outros países não têm. Então não tem sentido abandonar a capacidade de fazer novas usinas baseadas nas hidrelétricas em detrimento de qualquer outra opção e o Brasil já tem bastante know-how na construção desse tipo de usina”, explica.
No entanto, o físico apontou para a capacidade limitada de geração hidrelétrica em algumas regiões no Brasil, em especial na Amazônia devido a restrições ambientais. Ele também destacou o potencial significativo da energia eólica, embora atualmente dependente de tecnologia estrangeira, e a necessidade de adaptá-la melhor às condições brasileiras.
Pré-conceitos com usinas nucleares
Impactos e consequências ambientais, como produção de lixo radioativo; utilização de recursos não renováveis; grande utilização de água nas unidades e elevado risco de acidentes nucleares estão entre os argumentos que se destacam nas críticas ao emprego da fonte de energia nuclear. Por outro lado, para desmistificar o assunto, o físico nuclear defende que essa energia pode ser uma ferramenta de crescimento do país.
De acordo com ele, o preconceito com a matriz é originário de duas situações, a primeira, que é a forma como a energia nuclear foi apresentada para a humanidade, através da bomba atômica e o segundo que na época que o Brasil assinou o programa nuclear para a construção das usinas em Angra, a comunidade científica não foi consultada.
No entanto, ele elenca algumas vantagens da matriz frente a matriz hidráulica, eólica e até mesmo a solar.
Enfatizando a eficiência da energia, Angelkorte comparou diferentes formas de geração de energia. Usinas nucleares e térmicas possuem alta eficiência, enquanto fontes renováveis como eólica e solar requerem backup térmico devido à sua intermitência. “Uma usina térmica tem 100% de aproveitamento, a nuclear você liga e pode operar 100%, enquanto a eólica e solar você acaba dependendo desse backup térmico, porque às vezes pode não ventar e nem fazer sol.”
O físico defender ainda a eficiência da energia nuclear frente a outros tipos de energia que demandam extensas linhas de transmissões. Ele também abordou a perda de energia em longas linhas de transmissão, citando o exemplo das usinas de Angra, que estão estrategicamente localizadas para minimizar estas perdas. “Quando você tem grandes linhas de transmissão você perde a cada 100 km um percentual dessa energia porque existe o fenômeno da dissipação. Se transmite energia por um cabo, esse cabo vai aquecer e ai aquecendo o calor é dissipado e por isso é inerente que perca essa energia. As termoelétricas, Angra 1 e 2 foram colocadas meio que equidistante de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, os centros industriais do Brasil a época, e as linhas tem um tamanho menor do que as linhas de Itaipu, porque as linhas de transmissão serão menores. Grande parte da energia de Angra é consumida no entorno, então tem a possibilidade de colocar usinas nucleares mais próximas aos centros consumidores.”
Desenvolvimento
Angelkorte explicou que no Brasil existem alguns projetos da Marinha Brasileira de ter submarinos equipados com reatores modulares de 50 MW. Segundo ele, esses reatores, além de sua aplicação marítima, têm potencial para serem utilizados em terra, particularmente em regiões remotas como o interior da Amazônia. Paralelamente, existe a proposta de reatores de maior potência, em torno de 1000 MW, que utilizam tecnologia de água pressurizada.
Energia é Poder
O físico também enfatizou a conexão entre energia e poder geopolítico, citando o interesse dos EUA no Oriente Médio e a necessidade da Petrobras expandir além do petróleo, explorando novas matrizes energéticas. A energia também é ponto crucial para a industrialização do país, já que é a indústria a maior consumidora de energia no Brasil.
“O Brasil também deveria ser uma potencia industrial, não apenas agrícola, mas também ter uma grande capacidade industrial, então não pode abrir mão desses dois eixos. Inclusive o Brasil está precisando se reindustrializar, pois houve grande limitação da capacidade e para fazer isso precisa de energia. A Petrobras não pode se limitar ao petróleo, se quisermos falar em outras matrizes como hidrogênio, a empresa que tem capacidade para discutir é a Petrobras. Você precisa de pesquisa, ou você pesquisa ou você não vai ter a tecnologia.”
O Futuro de Angra 3
Gunter ainda falou sobre uma eventual a retomada das obras da Usina Nuclear de Angra 3, destacando os desafios técnicos e políticos, como a interrupção causada pela Operação Lava Jato e a necessidade de novas parcerias internacionais após o declínio da indústria nuclear alemã. A conclusão de Angra 3, junto com a potencial Angra 4, aumentaria significativamente a capacidade nuclear do Brasil.
“A retomada de Angra 3, estão estudando as possibilidades, porém temos que considerar que não existe mais a industria nuclear Alemã. Como se fechou todas as usinas Alemãs, você precisaria de outro parceiro para fazer a montagem, os projetos eletromecânicos da usina que é a instalação dos equipamentos.”