Mergulho em poça

Em uma época de amores rasos, aqueles que buscam profundidade, acabam machucados em poças d’água. De ficantes ou até mesmo conversantes, as relações se tornam superficialmente sexualizadas, em que o prazer imediato supostamente supre o tédio do verdadeiro amor. Sim, amor é tédio, é rotina, é entrega, é decisão. Aos que estão muito ocupados em ganhar dinheiro ou viver a vida instagramável, a relação é desconfortável. Afinal de contas, relação é o ato de continuamente refazer os laços, em ato constante e repetitivo.

Diziam os antigos que o amor está na constância do aprendizado do outro, o qual demanda tempo. A medida de tempo? Um quilo de sal. Não se pode abundar um cozimento com o sal, é preciso tempo para consumi-lo e é na paciência das refeições (de seu preparo e de seu deleite) que os detalhes comezinhos de alguém se tornam preciosidades da intimidade. Hoje, para as comidas industrializadas e devoradas pelo sódio, essa medida de tempo parece ter se perdido. Diante da urgência da “felicidade” momentânea frente à eternidade em assumir compromissos, as relações tornam-se frágeis e quebradiças.

A tradição do casamento, portanto, torna-se obsoleta. Por que o faria se o “ficante premium plus” me garante a satisfação hedonística? Quiçá, uma união estável, pela comodidade na divisão das despesas e das tarefas. Não se quer aqui demonizar tal relação, até porque a própria Constituição Federal a equipara ao casamento e claramente garante seu status como constituição familiar. Porém, seu reconhecimento não tem uma história tão romântica quanto se espera e ainda encontra desfalques perante a segurança jurídica do casamento.

No ato da celebração do matrimônio, o vínculo conjugal é formado e dali seus efeitos começam a decorrer. A simplicidade do “morar junto” garante os efeitos patrimoniais também, no entanto, o casal permanece com o estado civil de solteiro, de modo que a alienação de patrimônio se torna mais simples, não dependendo de autorização do companheiro. Ademais, para alguns países, há empecilhos no reconhecimento formal dessa união, sendo válido apenas o casamento, dada sua formalidade no ato da constituição. Ainda, os filhos oriundos da relação matrimonial são presumidamente do marido, ao passo que os filhos frutos de união estável dependem de reconhecimento paterno, enquanto ato volitivo.

Além disso, a pluralidade das relações é viabilizada na medida em que a bigamia é crime tão somente para o casamento, sendo possível a pluralidade de registro de união estável, bem como o registro de união estável de pessoas casadas, mas separadas de fato, sem que isso configure ilicitude. No máximo, afronta a moral e os bons costumes.

Que não seja um tom pessimista, mas compreensivo da mutabilidade da realidade, visto que conhecimento é poder. É imprescindível medir, com os pés firmes no chão, a profundidade de onde se pretende mergulhar. “A felicidade pode se achar em horas de descuido”, como diria Guimarães Rosa, mas o amor, ah, o amor, é um menino levado que precisa de abraços apertados pra ficar.

Dra. Giovanna Back Franco

Professora universitária, advogada e doutoranda em Direito