Política

Relatório cita paraguaios com certidão de nascimento brasileira

Material sugere que possível falsificação tem envolvimento de servidores da Funai

Guaíra – Um relatório desenvolvido por uma comissão que se intitula Comissão da Verdade coloca em xeque a forma como estão ocorrendo as invasões de terras por ditos indígenas nas cidades de Guaíra e Terra Roxa, no oeste do Paraná. O assunto ganha importância pois essas terras estão em vias de serem demarcadas, inviabilizando parte do agronegócio naquele entorno.

Conforme o documento que a reportagem do Jornal O Paraná teve acesso exclusivo, os indígenas listados dizem que aquelas terras pertenciam aos seus ancestrais, só que parte deles nem sequer nasceu no Brasil. Apesar de não terem limites de fronteira propriamente ditos e os indígenas trafegarem livremente entre um país e outro, como é o caso do Brasil e do Paraguai, o aspecto preocupante e que chama a atenção é para indicativos de fraudes possivelmente praticadas do lado de cá da fronteira.

O documento tem relatos e imagens e já é do conhecimento da Polícia Federal e também chegou a líderes públicos regionais. Ele revela que índios paraguaios estão obtendo documentos falsos como se tivessem nascido no Brasil para atestar seu direito à terra. Esses documentos facilitariam a permanência de muitos nas terras invadidas e prestes a serem demarcadas pelo governo federal.

Além disso, a maioria desses supostos indígenas recebe benefícios como cidadãos brasileiros, como cestas básicas, auxílio aluguel ou mesmo acesso a programas como o Bolsa Família.

O relatório que recebeu o auxílio de forças de segurança para ser realizado detalha ainda que, no dia 17 de dezembro de 2017, dois veículos, uma van e um táxi, ambos com placas paraguaias, foram interceptados no posto de fiscalização da PRF (Polícia Rodoviária Federal) na cabeceira da Ponte Ayrton Senna, em Guaíra. Tanto motoristas quanto ocupantes disseram às forças de segurança que estavam indo ao Paraguai exercer seu direito ao voto. Ocorre que durante a inspeção se observou que se tratavam todos de cidadãos paraguaios, apresentando inclusive as identidades do país vizinho.

Documentado

De acordo com o relatório, “durante a abordagem realizada pelos agentes de segurança, foi realizado o registro de imagens das identidades para futuras averiguações, já que havia muita contradição entre os passageiros dos veículos. Diante de informações relatadas pelos ocupantes dos veículos e do condutor do veículo que os transportava, de que os paraguaios seriam todos moradores em área de invasão nos municípios de Guaíra e Terra Roxa e se declaram indígenas brasileiros, foi feito um levantamento das informações dos ocupantes do veículo através de documentação fornecida e registrada”.

Ainda de acordo com o relatório, o próprio motorista da van disse ter conhecimento “que a maioria dos invasores de área em Guaíra e Terra Roxa é de nacionalidade paraguaia e muitos residiam no departamento de Canindeyu, no Paraguai” antes de virem para o oeste do Paraná. Só que a Funai trabalha como se esses índios tivessem origem e ancestrais brasileiros.

No documento são mencionados diversos casos de irregularidades, a maioria de moradores da área invadida Tekohá Taturi, em Guaíra.

 

Documento paraguaio x documento brasileiro

 

Apesar de terem os documentos de identidade paraguaios, muitos possuem o que se refere à certidão de nascimento brasileira, alguns até com mais de uma, e com informações diferentes uma da outra, como o local de nascimento – mudando a cidade da região, por exemplo, em outra o que muda é o dia do nascimento, em outra o nome dos pais e assim por diante.

O relatório reforça ainda que “em conversa informal durante a abordagem, os ocupantes declararam que muitos paraguaios que estão vindo para área de invasão em Guaíra e Terra Roxa ainda não possuem documentos brasileiros, pois a Funai (citando aqui o nome do possível servidor envolvido) estaria providenciando os documentos de Rani (Registro Administrativo de Nascimento Indígena)”.

A reportagem tentou por inúmeras vezes falar com esse servidor mencionado no relatório, mas ele não foi localizado e não respondeu as ligações. Por isso e pelo fato de ele estar sendo investigado pela Polícia Federal, a reportagem optou por preservar o nome do servidor acusado.

 

Mulher teria nascido em dois países

Entre os casos que mais chamam a atenção está o de uma mulher cujo registro de nascimento, brasileiro, diz que ela é natural de Guaíra, mas a informação não condiz com seu documento paraguaio. Nele, sua cidade natal é Salto Del Guairá. Vale lembrar que, de acordo com informações da Secretaria de Assistência Social do Município de Guaíra, ela tem um contrato de aluguel social firmado com o Município.

Outra indígena supostamente paraguaia, mas com documentos de nacionalidade brasileira e assistida por programas sociais, tem um nome nos documentos paraguaios e outro nos documentos brasileiros e supostamente nascida em São Miguel do Iguaçu. O dia e o mês de nascimento se repetem ao documento paraguaio, mas o ano muda. Em um dos registros ela aparece como nascida em 1974 e em outro em 1961, sete anos de diferença. Pelo documento paraguaio ela nasceu em Colônia Cecilio Baez no país vizinho, não em São Miguel do Iguaçu.

Em sua ficha de Cadastro de Acompanhamento indígena na Prefeitura de Guaíra é possível constatar que essa indígena recebe o Bolsa Família, pago pelo governo brasileiro, e ainda com base no relatório com proventos mensais que chegavam a R$ 856. Além dela, outros familiares também vindos do país vizinho e moradores da área invadida Tekohá Porã, em Guaíra, recebem benefícios sociais brasileiros.

 

Declarações contraditórias

Até mesmo declarações emitidas por funcionários da Funai têm sua veracidade investigada. Conforme o relatório, “foi encontrada uma declaração emitida por um servidor da Funai lotado em Guaíra afirmando que outro indígena nasceu na cidade de Guaíra e especificando uma filiação, mas as informações não batem com os documentos paraguaios apresentados pelo homem no momento da abordagem”.

No relatório há uma cópia da segunda via da Rani na qual uma funcionária da Funai em Guaíra teria emitido a ele este documento, “com dados totalmente desencontrados da Declaração de outro servidor da Funai. Nesse Rani consta que esse indígena mudou o lugar de nascimento de Guaíra para a cidade de Foz do Iguaçu, muda-se também o nome de seu pai e altera-se também a data de seu nascimento de 26 de dezembro de 1984 para dia 23 de dezembro de 1984”.

 

Votação no Paraguai e retorno ao Brasil

As supeitas de irregularidades envolvendo os indígenas que estão em áreas ocupadas em Guaíra e Terra Roxa não são recentes envolvendo os servidores da Funai em Guaíra. Em 2015 foram identificados cabos eleitorais paraguaios em áreas invadidas em Guaíra em busca de votos.

Também foram identificados, na época, veículos da Funai trafegando em cidades paragauias. Após votação no Paraguai, todos seriam tarzidos novamente para o Brasil, nas áreas invadidas. As informações constam no relatório que está sendo investigado pela Polícia Federal.

Dupla Rani

Em 2012, ainda de acordo com o relatório, constatou-se que um indígena, já identificado pelo Instituto de Identificação do Paraná, recebeu uma segunda Rani expedida pela Funai na qual se identificou novamente com outro nome. Ele teria relatado às forças de segurança e à fiscalização que conseguiu uma nova Certidão de Nascimento emitida por meio de Cartório de Registro Civil no dia 6 de fevereiro de 2014 quando não conseguiu a emissão de nova Carteira de Identidade porque suas digitais já estavam cadastradas na Secretaria Segurança Pública do Paraná, mas com outro nome. Além desse caso, há outros registros de um mesmo cidadão com Ranis com informações pessoais diferentes.