Brasília – Os ministros do Supremo Tribunal Federal retomaram o julgamento que discute se o porte de drogas para consumo próprio é crime. Os julgadores irão analisar a constitucionalidade do artigo 28 da Lei 13.343/06, a Lei de Drogas, que estabelece como crime adquirir, guardar ou transportar drogas para consumo pessoal.
O julgamento iniciou em 2015, quando o ministro Gilmar Mendes, relator do caso, considerou que o trecho em questão é inconstitucional. Mendes foi seguido pelos ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso que, no entanto, votaram pela descriminalização apenas da maconha. O então ministro Teori Zavascki começou a analisar o caso pediu vistas. Com a morte de Teori, o ministro Alexandre de Moraes, que assumiu sua vaga, ficou com o pedido de vista. O processo foi pautado pela presidente do STF, ministra Rosa Weber.
Para entender tudo o que está em jogo nesse julgamento, a reportagem do jornal O Paraná, conversou com o advogado e especialista em segurança pública Alisson Silveira, que explicou os meandros do julgamento. De acordo com Silveira, o “ponto central” do julgamento é a superlotação do sistema prisional.
“Esse tema trabalha com um ponto central muito forte que é o sistema prisional inchado, não é outra coisa se não isso. Claro, tem a esfera individual de liberdade de cada um. Mas, partido dessa premissa, a gente começa com alguns dados objetivos, dados esses que são lá de 2006, quando o Lula era presidente e sancionou a lei de drogas. Lá em 2005 tinha 300 mil presos no sistema prisional brasileiro, desses, 14% eram presos por tráfico. O que ocorre depois da vigência da lei de drogas? Acontece uma explosão de prisões sem parâmetros de prisão de tráfico. Hoje temos algo próximo a 30% da população carcerária que totaliza quase 800 mil, presos por tráfico”.
Sem critérios
De acordo com o especialista, quando a lei entrou em vigor não foram adotados critérios específicos para distinguir tráfico de posse, por conta disso, a análise deveria ser feita caso a caso pelos tribunais. “Como os critérios adotados pela lei sobre o que era uso e o que era trafico não eram específicos, a análise dessa discricionariedade ficou para os juízes. Então, não apenas os juízes, mas também a polícia faz a análise de uso e tráfico e delega para o Judiciário, quando deveria ser uma questão estritamente legislativa; era o legislativo que tinha que dizer e separar o que era o usuário e tráfico.”
Segundo o advogado, sem um critério específico, um juiz poderia considerar uma quantia para uso e outro juiz questionar a mesma quantia como tráfico. “Um juiz determina um critério, uma quantidade como tráfico, às vezes outro juiz vai analisar a mesma quantidade, mas em outra localidade e determina como usuário, então ficou um terreno muito escorregadio sobre a legislação e os juízes decidirem sobre isso.”
“Hesteria”
Silveira ainda explica que, caso o judiciário entenda pela descriminalização não será uma liberação das drogas. “Existem saídas que às vezes não é a criminalização. A gente encontra exemplos aqui pertos, o Uruguai não teve uma explosão quando liberou. Agora pensar que a descriminalização no nosso país que vai liberar me parece uma histeria geral que tende a confundir com a polarização da política brasileira.”
Segundo ele, existe uma grande diferença entre os dois institutos e eles não devem ser confundidos. “Quando se fala sobre descriminalização sobre as drogas se fala essencialmente em ter critérios objetivos para definir o uso e tráfico”, esclarece.
STF ou Congresso?
O estudioso ainda explica que outro ponto levantado sobre a discussão foi sobre a legitimidade do STF para analisar o caso. No entanto, segundo ele, a omissão do Congresso em Legislar sobre o assunto obriga o STF a atuar.
“Algumas pessoas dizem que o STF não tem legitimidade para analisar essas questões por se tratar de um problema de saúde pública e argumentam que seria legitimidade do legislativo. Agora, essa letargia do Congresso Nacional obriga o STF a discutir o assunto.”
Descriminalização X legalização
Silveira explica que o julgamento diz respeito sobre a descriminalização e não sobre a legalização. “A gente não pode deixar que a população confunda esse tema. Não está tratando da liberação do uso de drogas, mas, sim, da descriminalização. Liberação é o que o Uruguai fez recentemente, o que países da Europa fizeram. Então não é isso, até porque se a pessoa for pega, mesmo como uma pequena quantidade, ela vai ficar com um registro, vai precisar assinar termo circunstanciado.”
Combate ao tráfico de drogas
Na avaliação de Silveira, a fixação de um parâmetro objetivo para diferenciar tráfico de uso poderia fazer o Poder Público ficar “apagando incêndio” e focar no real problema que é o tráfico de drogas.
“Não acho que é um absurdo colocar um parâmetro objetivo de quantidade. A gente tem um problema que é o tráfico e sim, muitas vezes o tráfico se utiliza de pequenos traficantes com pequenas quantias, mas o sistema de investigação no Brasil é falido, é muito mais fácil a policia prender o pequeno traficante, então acho que esse parâmetro de diferenciação desafogaria o sistema e a polícia poderia investigar com precisão quem seriam os verdadeiros traficantes.”