Tenho participado de discussões e acompanhado de perto as análises políticas depois do cataclisma que foram as eleições de outubro. Em geral, o clima é de rescaldo: a busca por um caminho que refaça o sistema político-partidário. Refiro-me a quem tem a responsabilidade de promover uma revisão crítica do processo. Porque há setores da esquerda que preferem a política do avestruz, como se nada tivessem a ver com isso.
Mas o que chama atenção no que tenho lido é a derrota ser creditada à falência dos partidos. Acho que é um erro. A insolvência partidária é consequência, não causa do esvaziamento da política. A descaracterização e o corrompimento de suas instâncias derivam da ação de um poder central, absolutista, vocacionado para cooptar como princípio de governabilidade.
Em nome dela os governos que se sucederam nos últimos 24 anos engalfinharam-se em uma luta pelo poder sem fim. Pra isso, multiplicaram o número de siglas à sua conveniência, fragmentaram e compraram bancadas congressuais para conquistar maioria, atuaram no atacado e no varejo parlamentar. Esse é o desenho do presidencialismo de coalizão, que tem imperado em nossa democracia recente. E o cenário ideal para fazer qualquer democracia ir para o ralo.
O fato é que a social-democracia brasileira não conseguiu nesse período reverter nossa condição de Estado excludente. Embrenhou-se num socialismo populista e não conseguiu responder às necessidades básicas do País. A desigualdade é crônica. Mais de 15 milhões de pessoas ainda vivem em condição de extrema pobreza. O apartheid se ampliou, com a marginalização crescente das minorias étnicas. O Estado corrompido mostrou-se incapaz de prover saúde, educação e acabou acuado na segurança. Junte-se a isso o sentimento de faca nos dentes da classe média e desaguamos na era bolsonarista.
Hoje constatamos a negação do que seja uma democracia representativa. Estigmatizados, os partidos foram marginalizados na composição do novo governo e as alianças, seladas com bancadas setoriais, com destaque para o trio: bala, bíblia e boi, que já impõem seus interesses corporativos na definição das políticas governamentais.
O que vem pela frente ainda é uma incógnita. Mas temos sinais de retrocesso em várias frentes, como no meio ambiente, na cultura, na educação e nas relações exteriores, com o anúncio de diretrizes marcadas por um ranço fundamentalista e isolacionista.
Restaurar o sistema representativo e refazer o pacto social vão demandar sangue, suor e estratégia. Acho que a primeira coisa é fortalecer os partidos, fazendo com que eles readquiram organicidade e ação programática. E a partir daí caminhar em direção ao parlamentarismo, quebrando esse modelo presidencialista de cooptação. É isso ou, ao contrário do que vendem, vamos continuar reféns das práticas fisiológicas. Agora, com novos inquilinos no Planalto.
José Luiz Penna é presidente Nacional do Partido Verde
Restaurar o sistema representativo e refazer o pacto social vão demandar sangue, suor e estratégia