A estreia internacional do presidente Jair Bolsonaro revelou bem mais do que sua capacidade de quebrar protocolos oficiais, despistar a imprensa e ir almoçar num self-service de supermercado, ou sua emoção legítima ao discursar, agora na condição de chefe de Estado, para uma miríade de líderes, investidores, empresários e jornalistas dos quatro cantos planeta. A edição 2019 do Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), exibiu a faceta mais dramática da esquerda brasileira: a amnésia.
Em seis minutos, Bolsonaro apresentou um discurso enxuto e sem fantasias. Foi direto aos temas de interesse de quem vai a Davos para o meeting anual, apresentando as linhas gerais do que pretende realizar em sua gestão, com foco principal nas privatizações, no equilíbrio fiscal, na segurança jurídica e no combate à corrupção. Consumiu outros oito minutos respondendo, com clareza apesar da tensão, às questões capciosas do alemão Klaus Schwab, fundador do Fórum. Com apenas 22 dias de governo, após assumir um país devastado e em frangalhos, a estreia internacional do novo presidente do Brasil cumpriu sua missão.
No entanto, esses 14 minutos de bolsonarismo na Suíça causaram uma verdadeira tromba de lágrimas entre os notórios “especialistas” da imprensa, repercutindo diretamente nas redes sociais. O jornal espanhol El País cravou que “o discurso de Bolsonaro decepcionou Davos”; a BBC disse que o presidente “perdeu a chance de mostrar uma agenda”; o norte-americano The New York Times classificou Bolsonaro como “a antítese de quem participa do evento” e “a face do populismo em Davos”, usando expressões como “Trump dos Trópicos”. Já as milícias entocadas no jornalismo brasileiro partiram para o ataque, recheando sites e blogs com barbaridades que foram de “fiasco internacional” à “vergonha para o Brasil”, enquanto os telejornais das grandes emissoras limitaram-se ao tom lacônico, quase um desprezo arrogante. Um espetáculo de má-fé, em suma.
Em dias assim, é notável como a amnésia pode ser uma oportuna aliada. Fingir esquecimento, ser vítima de lapsos seletivos de memória, é algo próprio a quem faz da crítica um mero para-lama de carro velho com pneu careca. Então, que tal uma visita ao passado recente, para tentar reavivar a lembrança do que era o Brasil há cinco anos e o que disseram, à época, esses doutos “especialistas”. Ao final, é você, leitor ou leitora, quem irá tirar sua própria conclusão. Vamos lá?
Há exatos cinco anos, em janeiro de 2014, a então presidente Dilma Rousseff debutava em Davos. Nos três primeiros anos de seu mandato preferiu não ir ao Fórum Econômico Mundial. As manifestações de junho de 2013 sacudiram seu governo, já cambaleante pela política econômica esquizofrênica e pelos primeiros sinais de que a era PT chegaria ao fim em breve. Ainda assim, Dilma discursou por 35 minutos, apresentando um Brasil idílico, “uma das mais amplas fronteiras de oportunidades de negócio”, onde “o controle da inflação e o equilíbrio das contas públicas são requisitos essenciais” e, pasmem os desmemoriados, concluiu afirmando que “a responsabilidade fiscal é um princípio basilar de desenvolvimento econômico e social”.
Esse carrossel de falácias rendeu manchetes nos principais jornais do mundo. O respeitado Financial Times não poupou elogios e estampou que a presidente do Brasil havia lançado “uma ofensiva de charme sobre as corporações”; a BBC disse que Dilma havia feito “um discurso sob medida”; o ex-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) Enrique Iglesias avaliou a fala como “positiva e realista do potencial do Brasil”; já Carlos Represas, presidente latino-americano da Bombardier – empresa que dois anos mais tarde se uniria à Airbus para fabricação de aeronaves de médio porte com o objetivo derrubar a brasileira Embraer – avaliou que Dilma havia feito “um bom apanhado de suas realizações e planos” e concluiu garantindo ter “gostado muito” do que ouviu; executivos de empresas brasileiras, como Bradesco e Itaú, saíram da apresentação dizendo-se “convencidos de que a direção do Governo Dilma é correta”. Pois é… deu no que deu!
A propósito, essa viagem internacional de Dilma Rousseff gerou escândalos que até hoje repercutem nas contas públicas brasileiras. Depois de toda conversa fiada em Davos, a imensa comitiva oficial – foram necessárias duas aeronaves: o Avião Presidencial Brasileiro e outro jato da FAB – fez uma polêmica escala, fora da agenda, em Portugal. Em Lisboa, a trupe vermelha ocupou 30 suítes nos luxuosos hotéis Ritz Four Seasons e Tivoli. Sua Excelência ficou na suíte presidencial do Ritz pela bagatela diária de R$ 26 mil, então equivalentes a 36 salários mínimos. Além disso, o crème de la crème da comitiva foi jantar às margens do Rio Tejo, no Eleven, o mais badalado restaurante lisboeta, flagrados à saída carregando sacolas com vinhos caros e outras “lembrancinhas”. Como esquecer a famigerada foto da presidente aparentando ter exagerado um pouquinho nos vinhos portugueses durante o jantar? Tem gente que esquece!
Cereja desse bolo de tolos, a turma deixou Portugal e foi direto para Cuba, onde Dilma Rousseff desembarcou para inaugurar o Porto de Mariel, obra faraônica e superfaturada executada pela Odebrecht e escandalosamente financiada pelo dinheiro dos pagadores de impostos brasileiros através do BNDES, em acordo firmado pelo então presidente Luiz Inácio da Silva – vulgo “Lula” – e a ditadura cubana, cujo sigilo dos documentos se estenderá até 2027. Em números oficiais da negociata, o Brasil emprestou a Cuba US$ 682 milhões – cerca de R$ 2,5 bilhões -, cujas prestações vão até 2034. No entanto, desde junho de 2018 o governo cubano oficializou o calote e parou de pagar a dívida. E quem é o fiador dessa bagaceira? O Fundo de Garantia à Exportação (FGE), criado pela Lei 9.818/1999 e bancado pelo Tesouro Nacional. Ou seja, o dinheiro do povo brasileiro pagou pelo porto cubano e também está pagando pelo calote.
Agora, após esse breve passeio pela memória recente, deixo com você, caríssimo leitor ou leitora, o direito de concluir aquilo que melhor entender como moral da história. De minha parte, cumpre apenas salientar que considero absolutamente tragicômica a amnésia da esquerda e de seus tentáculos midiáticos. Não respeito aqueles que tão vergonhosamente desprezam a memória.
Helder Caldeira é escritor, palestrante e especialista em Relações Institucionais – [email protected]