Esportes

E a Sapucaí se muda para o Maracanã

A Olimpíada que se encerrou ontem foi do Rio, mas também do frevo, do baião, das mulheres rendeiras, das danças regionais, ?da alma brasileira despencando da ladeira na zueira da banguela” e de todo um país orgulhoso do sucesso dos Jogos.

Bem menos impactante do que a festa de abertura, a cerimônia de encerramento da Olimpíada 2016 foi realizada ontem à noite, sob forte chuva, no Maracanã, e procurou mostrar as diversas manifestações artísticas brasileiras. Cerca de 30% dos assentos estavam vazios, sobretudo nos espaços reservados a patrocinadores e nos setores mais caros, mas a alegria de todos os participantes era visível, não apenas por estar no maior evento esportivo do mundo, mas por ele ter dado certo. Há alguns meses, havia uma descrença gigante, aqui e no exterior, sobre como se desenrolariam os Jogos. Falava-se apenas sobre o país em crises econômica e política, sobre o estado falido, sobre a cidade insegura e sobre a epidemia de zika. Nada disso foi resolvido, mas cariocas ou visitantes que amam a cidade exibiram um agridoce sorriso de que é possível. Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, definiu a sensação num discurso durante a cerimônia: ?O Rio fez história para sempre?.

A História brasileira foi exposta no início da festa. Sem estruturas e alegorias caras, a equipe da diretora criativa Rosa Magalhães e do diretor executivo de criação Abel Gomes (ele também foi diretor-geral da abertura) utilizou basicamente atores, bailarinos e muitas projeções no centro do estádio, para reafirmar a força da cultura nacional. No início, duzentos dançarinos vestidos de pássaros formaram as imagens dos Arcos da Lapa, do Cristo Redentor, do Pão de Açúcar e dos anéis olímpicos, com projeções ao fundo fazendo referência à obra de Tarsila do Amaral.

Martinho da Vila foi o primeiro artista de renome a se apresentar, interpretando ?Carinhoso?. Depois, um coro de 27 crianças se juntou para cantar o hino nacional, enquanto uma projeção formava uma gigante bandeira brasileira no Maracanã, tornando cada cantor uma das estrelas-estados do país. Roberta Sá veio a seguir, vestida de Carmen Miranda para cantar ?Tico tico no fubá? e dar boas vindas às bandeiras dos países que estiveram presentes no Rio. Foram os próprios atletas que carregaram suas bandeiras ? a do Brasil foi conduzida por Isaquias Queiroz, trimedalhista da canoagem ?, seguidos por centenas de outros esportistas que ainda estavam na cidade. O desfile demorou 50 minutos e foi acompanhado por sambas, frevos e outros ritmos.

A cerimônia de encerramento teve uma série de momentos protocolares espalhados ao longo da festa, muito mais do que na abertura. Houve um anúncio dos novos membros eleitos para o Comitê Olímpico Internacional, o lançamento da plataforma digital Canal Olímpico, uma homenagem aos voluntários que participaram dos jogos, o pódio para os atletas vencedores da maratona masculina e até a execução do hino da Grécia.

JAPÃO APRESENTA SEU PROJETO

Do que coube à equipe criativa brasileira, destacaram-se o Grupo Corpo, com uma linda coreografia de dança ao som de Tom Zé, e artistas vestidos como bonecos de barro do Mestre Vitalino, evoluindo no embalo de ?Asa branca?, de Luiz Gonzaga. Os jardins de Burle Marx foram lembrados, assim como a música de Heitor Villa-Lobos. Lenine cantou uma versão de sua ?Jack soul brasileiro?, enquanto atores acenavam mãozinhas para o público. Era o início da despedida. Às 21h45m, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (levemente vaiado), passou a bandeira olímpica para o presidente do Comitê Olímpico Internacional, Thomas Bach, que a entregou a Yuriko Koike, governadora de Tóquio.

A capital japonesa será a sede da Olimpíada de 2020 e teve alguns minutos para dar um aperitivo do que pretende para seus Jogos: a partir do sol nascente da bandeira do Japão e do personagem de videogame Mario Bros, figuras geométricas reais e projetadas formaram um grande baile tecnológico no centro do Maracanã, até aparecer a mensagem ?Nos vemos em Tóquio?.

Às 22h18, Bach declarou os jogos encerrados, mas ainda havia tempo para mais. A baiana Mariene de Castro cantou ?Pelo tempo que durar?, enquanto a pira olímpica foi apagada por uma chuva artificial. A festa então foi tomada por marchinhas e sambas, com os atletas e artistas reunidos num grande bloco de carnaval.

Depois de 15 dias, emoções e choros, o assalto a Lochte e a lorota de Lochte, o biscoito Globo atacado e defendido, o Boulevard Olímpico sempre lotado, Michael Phelps e Usain Bolt em estado de graça, a crença de que ainda é possível celebrar junto à seleção de futebol masculino, a festa de abertura com sua mensagem de aceitação de diferenças e de preservação ambiental, a de encerramento focada na cultura brasileira…

Depois de 19 medalhas e de ver os brasileiros vestirem mais uma vez o verde e amarelo sem se xingarem nas ruas por preferências políticas discordantes, a Olimpíada caiu no samba.

Para ninguém esquecer: carnaval e Olimpíada, o Rio faz muito bem.