Me sinto na obrigação de escrever este texto sobre a reportagem do Jornal NY Times que avaliou o sabor do Biscoito Globo. Parto então de uma afirmação que pode parecer totalmente absurda. O Biscoito Globo não é um biscoito. Sim. É isso mesmo. É claro que tecnicamente o Biscoito Globo é um biscoito. Uma comida. Obviamente (pelo menos para o carioca), o Biscoito Globo é muito mais do que isso. Aliás no decorrer deste pequeno texto vou me referir ao Biscoito Globo, apenas como ?o Globo?. Já que ele não é um biscoito (ou não é só um biscoito) não faz sentido ficar chamando de biscoito. Links biscoito globo
Continuando o raciocínio, o repórter que escreveu a matéria não parece ser um jornalista. Quer dizer, ele é um jornalista, mas na matéria publicada ele tecnicamente não foi um jornalista.
Posso estar falando uma besteira, mas o jornalista pesquisa, pesquisa mais e faz uma reflexão do que foi pesquisado dentro da situação fática social que o objeto da matéria está inserido. Depois pesquisa mais um pouco, e aí passa a imprimir (quando permitido) sua própria alma (tentando o máximo ser imparcial e razoável), nascendo aí, a reportagem. É verdade que não entendo nada de jornalismo, entretanto entendo de comer o Globo. Venho fazendo isso nos últimos 30 anos. Há os mais experientes que comem o Globo desde o ano de 1953. Enfim. Continuemos.
Estando capacitado para opinar (assim eu penso) acredito que tenha faltado ao jornalista americano um pouco de pesquisa de campo. Ao invés de apenas provar um biscoito e colher a opinião dos banhistas, o repórter deveria ter feito um pouco diferente. Bastava pesquisar com quem entende do riscado. Primeiro deveria ter chegado na praia pela manhã, após ter tomado um simples (mas excelente) café preto (pingado se quisesse) com suco de laranja e um pão fresco quentinho com manteiga (é importante que não colocasse na chapa para não perder o gosto de pão fresco).
Já na praia deveria ter aproveitado no sol e apreciado as lindas mulheres (ou homens, conforme fosse sua preferência). Imediatamente após poderia jogar uma ?partida? de altinho, ou talvez o clássico Frescobol carioca (escrito assim mesmo, sem ?ball? no final).
Quando o calor apertasse poderia se refrescar no mar e quem sabe pegar um despretensioso jacaré que culminaria com uma triunfal saída para a areia (talvez nem tão triunfal assim). Praticadas estas atividades (e já com os novos amigos de praia) deveria o repórter chamar o vendedor de Mate (daqueles do galão artesanal) e pedir a bebida. Metade mate e metade limão. Dado o primeiro gole seria dado o ?chorinho?. Seja de mate, ou limão (à escolha do freguês) seria preenchido novamente o copo, passando a régua. Ao lado um vendedor de Biscoito (Globo) é solicitado pela galera que o repórter conheceu no altinho, ou no Frescobol. O pessoal compra alguns. Doce e sal e sal e doce. 3 por 10, ou qualquer coisa assim.
O Mate, o Globo, o Sol, as Mulheres, a Praia, o Clima (tudo com a letra inicial maiúscula) são naquele momento consumidos como um grande pacote de sensações que apenas quem é Carioca, ou quem temporariamente teve essa sensação (qualquer um que vier para o Rio com a cabeça aberta e com vontade de se divertir pode ser Carioca) sabe qual é. Na minha opinião é um prazer indescritível. Naturalmente há quem pense ao contrário. Gosto é Gosto.
Chegamos ao ponto crítico. O fato é que Biscoito Globo não é comida (ou não é só isso). O que quero dizer é que o Biscoito Globo não é culinária. Ninguém almoça Biscoito Globo. Aliás você conhece alguém que come o Globo em casa? Pode até ser, mas é bem incomum. Comer o Globo na praia integra um momento. Um ritual. É tradicional. É uma instituição. Faz e fez parte de situações inesquecíveis de todo o Carioca.
Comer o Globo é o roubar um beijo da amiga (ou amigo) na praia no momento em que se divide o redondinho. É a lembrança de pegar a primeira da onda e tirar o gosto do sal. O Globo é o por sol que antecede ao Chopp com os amigos. É o ?segura a fome? antes de um almoço espetacular (com roupa de praia) em uma churrascaria do bairro. Aqui me refiro às churrascarias em que se comem picanha, maminha, alcatra e outros cortes assados e acompanhados com farofa, molho a campanha e chopp gelado e não churrasco de salsicha, hambúrguer, ou costela de porco com molho barbecue e pimenta em pó.
O Globo é então o gosto de infância. O gosto da adolescência. É o gosto do Rio. Confesso que em uma avaliação estritamente técnica e fria o Globo pode não se dar bem (mais uma vez gosto é gosto). Talvez se avaliado em uma mesa de restaurante pelo Guia Michelin não tenha qualquer sucesso. Mas ainda acho que toda essa polêmica é uma grande confusão. Na verdade tudo não passa de um mal entendido. O que realmente aconteceu é que ao invés de provar o Globo, o tal do reporter acabou se confundindo e comendo biscoito de polvilho.
Olha o Globo!!!