Não é para qualquer um ganhar do Dream Team. Imagina se
a vitória, ainda por cima, for conquistada por um time com atletas profissionais
e semiprofissionais. Aconteceu nos Jogos do Rio. E foi na piscina. Isso porque
não é só no basquete que se tem um time de estrelas (quase) invencíveis. No polo
aquático, também. E nesse caso, os jogadores carregam a bandeira da Sérvia, cuja
seleção não perdia uma partida desde 2014 e tem o bronze de Londres-2012. O
algoz? Brasil. Depois deste feito histórico, conquistado na primeira fase, o
coração da seleção brasileira, o capitão Felipe Perrone, afirma que não há
limites para sonhar. Hoje, às 15h10m, pelas quartas de final, no Parque
Aquático, o Brasil enfrenta a Croácia, terra do técnico da seleção brasileira,
Ratko Rudic, dono de quatro medalhas de ouro olímpicas, e país onde Perrone
mora, atua e é ovacionado.
? A gente já ganhou da Croácia na Liga Mundial do ano
passado (o Brasil foi bronze) e isso nos dá confiança. Não dá para colocar
limite no nosso sonho. E se ganhamos da Sérvia, o Dream Team, que tem o melhor
jogador do mundo em cada posição, por que não ganhar de novo da Croácia? ?
pondera Perrone, um dos responsáveis pela ?montagem?? desse time brasileiro. ?
Nessa hora entra tudo ali, a preparação, a história de cada um… Eu sempre fui
um profissional do esporte. Mas uma grande parte do time… É de ficar arrepiado
com a história de cada um. Abriram mão de muita coisa, emprego, estudos, numa
loucura. Porque depois que acabar aqui… O que vai acontecer? Tudo isso dá uma
força a pais, uma energia inacreditável, além, é claro, do grito da torcida. Polo aquático: a histórica vitória do Brasil sobre a Sérvia
O polo aquático do Brasil não disputava uma Olimpíada desde Los Angeles-1984.
E para honrar a vaga herdada por ser sede, a Confederação Brasileira de
Desportos Aquáticos (CBDA) e o Comitê Olímpico do Brasil (COB) montaram um
projeto para reforçar a seleção e contrataram o croata Rudic, considerado o
melhor técnico do mundo. Clubes brasileiros, como o Fluminense, ?importaram??
jogadores estrangeiros que passaram a morar no país. O goleiro sérvio Slobodan
Soro e o centroavante croata Josip Vrlic embarcaram nesse sonho, mas só depois
de consultarem Perrone.
Ambos conseguiram naturalização brasileira com ajuda do
COB e da CBDA por causa dos ?serviços relevantes? que prestariam ao país, se
encaixando na lei que concede esse benefício aos estrangeiros.
? Eles me ligaram para perguntar se era coisa séria. O
Brasil não está no circuito internacional do polo. Não montei a seleção, mas
tive um dedo aí ? conta Perrone, que não só convenceu esses gringos como também
ajudou a repatriar o espanhol Adrian Delgado e o italiano Paulo Salemi, ambos
com vínculo sanguíneo com o Brasil. ? Já fizemos milagre nessa Olimpíada. A
Austrália, que investe há anos, está fora, assim como os EUA. O Japão, sede da
próxima Olimpíada, que passou a investir no esporte há algum tempo, mais do que
o Brasil, ficou fora, a França, também. E a gente está aí.
Perrone nasceu em família de atletas. O pai, Ricardo, foi jogador da seleção
brasileira de polo aquático, mas não disputou os Jogos Olímpicos. O atleta conta
que em 1972 cancelaram a viagem da seleção porque consideraram o time fraco e
levaram para Munique um grupo de dirigentes. Ricardo perdeu a chance. Mas ao
lado de Kiko, o irmão mais velho, a família esteve representada em Pequim-2008.
É que após passagem pela seleção brasileira entre 2001 e 2004, Perrone se mudou
para a Espanha para jogar no Barcelona ao lado do irmão. Os dois fizeram
sucesso, se naturalizaram espanhóis e ficaram em quinto lugar em Pequim (a
melhor colocação dele em Jogos Olímpicos).
? Não fiquei feliz, mas ficaria muito feliz com um
quinto lugar com o Brasil ? fala Perrone, que terminou em sexto em Londres-2012.
Conta o fato de a seleção brasileira ser, seguramente, a
que mais treinou para essa edição. E que Rudic, apelidado de Bigode, controla
até o almoço e o tempo que os jogadores ficam no celular.
? Só podemos levantar da mesa quando ele fala o horário
dos próximos treino ou reunião. Não podemos falar no celular na frente dele. E
toda hora que viro para algum lugar, ele está de olho na gente (risos). Parece
Big Brother ? afirma, aos risos, Perrone, que tomou quarentena, um ano sem jogos
pela Espanha para poder representar o Brasil. ? A metodologia dele é clara:
levar a gente ao limite de trabalho e sofrimento nos treinos. Segundo ele, o
cansaço não existe (risos). Treinamos sete horas por dia, e a última hora ele
não apita falta na piscina e a gente se mata.
Carioca, de 30 anos, torcedor do Flamengo e frequentador da praia do Leme,
ele também praticou surfe e é faixa preta de jiu-jítsu. Começou no polo no
tradicional Guanabara, segundo ele, um clube mais simples, com poucos sócios, e
que por isso podia brincar com o gol na piscina o dia inteiro.
CAPA DE JORNAL EM DUBROVNIK
Após os Jogos Olímpicos, ele não sabe se continua a representar o Brasil.
Teme que os investimentos nos esportes olímpicos sejam revistos. Por isso,
explica que seu retorno definitivo ao Rio deve demorar. Ele atua na Croácia,
onde é capa do jornal da cidade de Dubrovnik com frequência. Esse ano, fez o
?rapa??. Ganhou a Copa da Europa e foi considerado o melhor jogador, assim como
na Liga, uma espécie de Copa do Brasil do futebol. Também foi o melhor da Liga
Regional e da Champions League, com títulos.
? Na Croácia, o polo é como o vôlei no Brasil. Temos
jogos televisionados toda a sexta-feira. E sou cobrado por resultados em todos
os lugares que vou ? comenta o jogador, que vive afastado da filha Giovana, de
cinco anos, seu maior sacrifício. ? Fiquei muito feliz porque a Giovana pode ver
um jogo na Croácia e entender por que o pai dela está lá. Ficou impressionada
com a arquibancada cheia e as pessoas me parando na rua.
A menina mora com a mãe no Rio e ele fica até dois meses, no máximo, sem
vê-la. Vai e volta da Croácia sempre que dá. São 12 horas de viagem:
? Ela também vai para lá e pago a viagem do acompanhante.
Amigos e familiares se dão bem nesse história e fazem turismo na Croácia. Estou
no auge da minha carreira. Jogar na Europa é a minha única saída
profissional.
Além de Brasil x Croácia, as quartas de final terão ainda: Hungria x
Montenegro (11h), Grécia x Itália (12h20m) e Sérvia x Espanha (16h30m).