Esportes

Quando a poeira assentar

Vista do Facebook, a Olimpíada é a maior desgraça que jamais poderia ter se abatido sobre a cidade, um manancial de tragédias grandes e pequenas, das remoções forçadas da Vila Autódromo à nossa humilhação na imprensa internacional. Vista das ruas do Centro e da Zona Sul, a Olimpíada é uma felicidade só, uma espécie de carnaval melhorado, com turistas mais bem intencionados e de partes mais diferentes do mundo, todos passeando, se divertindo e gastando dinheiro.

A verdade está provavelmente no meio termo. A Olimpíada não era necessária, tínhamos muitas outras prioridades e perdemos uma boa chance de criar uma cidade menos poluída e menos desigual, mas em compensação ganhamos alguma coisa, de novas linhas de transporte ao Porto que, revitalizado, já está regenerando a área ao seu redor, antes tão deteriorada.

Se é pouco ou muito pelo que se gastou, só saberemos com o tempo, quando a festa acabar e voltarmos à rotina ? e quando, enfim, a raiva passar, se é que um dia passa.

Ainda não temos distanciamento crítico. Ainda estamos estressados com as obras e com os engarrafamentos, e os Jogos são um alvo fácil para descarregarmos as frustrações da crise e as amarguras da política.

Teria sido melhor gastarmos em educação e saúde o que gastamos com equipamentos esportivos, mas a grande questão é: gastaríamos? Ou esse dinheiro teria ido para os ralos da corrupção e da má gestão, como tantos outros dinheiros? Não sei a resposta. Duvido que alguém saiba.

Tenho para mim que o Centro se salvou da decadência graças ao estímulo da Olimpíada, e isso não é pouco. Também acho que saímos no lucro com os holofotes que apontaram tão impiedosamente as nossas misérias, sobretudo a situação tenebrosa da baía. De repente nos mostraram um espelho amplo e iluminado, que ninguém mais pode fazer de conta que não viu.

Pode ser que o grande legado dessa Olimpíada seja, afinal, intangível: a percepção da cidade como um todo real, e não como uma lenda urbana ancorada na Ipanema dos anos 60. Precisávamos dessa tomada de consciência, assim como precisávamos perder, de uma vez, certas ilusões que, até aqui, nos fizeram mais mal do que bem.