O último encontro foi em dezembro, no curso de treinadores da CBF. Na sala de aula, sentaram-se lado a lado. A busca por conhecimento, as trajetórias e o fato de surgirem no cenário nacional dentro de um movimento de renovação do quadro de treinadores são aspectos que os aproximam, ainda que oito anos separem suas idades. No entanto, as circunstâncias em torno do Flamengo herdado por Zé Ricardo e do Botafogo que Jair Ventura assumiu os obrigaram a seguir, sob o ponto de vista da filosofia de jogo, caminhos um tanto distintos. Os estilos vão travar um duelo neste domingo, no Engenhão, às 19h30m, no primeiro clássico das duas equipes no Carioca. Botafogo x Flamengo
Há onze anos, quando tinha 26, Jair Ventura iniciou seu primeiro curso de treinador. Desde então, ainda que fosse funcionário do Botafogo, buscou, por conta própria, diversos cursos de aperfeiçoamento. Zé Ricardo, formado treinador pela Associação Brasileira de Treinadores de Futebol (ABTF), já adiara por duas vezes seu ingresso no curso da CBF, por causa do calendário de jogos com as divisões de base do Flamengo. Até entrar na mesma turma de Jair e de técnicos das mais diversas gerações.
A vivência de aproximadamente uma década em seus clubes, até que a chance de dirigir o time profissional se apresentasse, é outro ponto coincidente entre os dois. Ao aprendizado acadêmico se somou a experiência de campo. Zé Ricardo foi passando pelas diversas categorias de base como técnico, até chegar ao time principal. Jair Ventura, embora também tenha dirigido equipes de formação do alvinegro, usufruiu da convivência com diversos treinadores no Botafogo: integrou a equipe de auxilares de nomes como Ney Franco, Caio Júnior, Cuca e Ricardo Gomes.
Talvez seja precipitado, no primeiro trabalho de ambos, e antes mesmo que completem um ano em seus cargos, colar em Zé Ricardo ou em Jair Ventura um rótulo que defina a forma de armar suas equipes. Mas, desde o Campeonato Brasileiro do ano passado, Flamengo e Botafogo têm traços distintos: o time rubro-negro prefere ter a bola para praticar um jogo de troca de passes, com mais elaboração; o Botafogo tem se saído melhor num jogo mais direto, com marcação forte e a tentativa de soluções rápidas para chegar ao gol, apostando na velocidade.
Zé Ricardo assumiu o comando do Flamengo após a saída de Muricy Ramalho que, antes de se afastar por problemas de saúde, tentava implantar um modelo de jogo com três atacantes, valorização da posse de bola e do jogo ofensivo. Foram onze partidas como interino até que Zé Ricardo fosse efetivado, tudo isso com o Campeonato Brasileiro em disputa. Não havia tanto tempo livre para grandes transformações, em especial diante da permanente incerteza sobre seu futuro.
Formado no clube e entendendo que a proposta ofensiva fazia parte do DNA rubro-negro, Zé Ricardo manteve a ideia central de jogo, mas foi dando traços seus ao time. Um deles, a boa organização defensiva, reduzindo riscos a cada perda da bola no ataque. Aos poucos, na reta final de 2016, o Flamengo deu sinais de um time dependente das jogadas pelos lados e dos cruzamentos. O jogo, muito baseado no desempenho dos pontas, não foi o bastante para alcançar o Palmeiras, mas garantiu o terceiro lugar e uma vaga direta na Libertadores de 2017. Neste ano, tenta aperfeiçoar o modelo de jogo rubro-negro, com mais posse de bola, trocas de passes e ampliação do repertório.
– Não tinha muito contato com o Jair, até fazermos o curso da CBF. Lá, ele mostrou o que vemos na TV: que é supercompetente e inteligente. Torço por ele, ele por mim – disse Zé Ricardo.
Jair também assumiu o Botafogo com o Brasileiro em andamento. Mas em outra realidade. Era um time cotado como candidato ao rebaixamento e que, com Ricardo Gomes, consolidava um sistema de forte marcação e saída rápida para contragolpear. Assim como seu colega de Flamengo, Ventura viu as portas se abrirem com o Brasileiro em pleno andamento. Ricardo Gomes aceitou proposta do São Paulo e, ao contrário de Zé Ricardo, Jair foi logo efetivado.
A filosofia não foi alterada de imediato. O Botafogo manteve a postura de ser agressivo na marcação, por vezes em seu próprio campo, explorando os espaços que se criavam para as jogadas de velocidade. Jair Ventura, aos poucos, impôs algumas de suas marcas. Entre elas, variar sistemas no decorrer dos jogos. Chegou a usar três atacantes, mas o time sempre ficou mais confortável diante de rivais que o atacaram de forma mais franca, ou seja, quando não precisava tomar a iniciativa das partidas.
Em 2017, com os reforços de jogadores como Montillo, Jair chegou a afirmar que poderia “propor mais o jogo”, ou seja, tomar a iniciativa. No entanto, a presença do time nas fases iniciais da Libertadores, com jogos decisivos desde o início do ano, ainda não lhe deu tempo para consolidar uma guinada muito radical.
A sequência de jogos deve fazê-lo, inclusive, poupar alguns jogadores no clássico deste domingo.
– Nosso planejamento é avaliar a condição física de cada jogador. Quem estiver bem, joga – afirmou.