Esportes

Legado olímpico emperra na burocracia e na demora do planejamento

O esperado legado olímpico esbarra na burocracia pública e na falta de organização do Comitê Olímpico Rio-2016. Dos mais de três mil objetos esportivos comprados pelo governo federal e pela entidade para os Jogos do Rio, apenas parte já está em uso pelas confederações que tiveram seus projetos aprovados pelo Ministério do Esporte. O restante se encontra armazenado em depósitos das Forças Armadas e em contêineres sob responsabilidade dos militares e do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) aguardando os termos de doações ou à espera da retirada.

O legado é composto por cerca de 225 itens comprados pelo Ministério do Esporte e cerca de 3 mil objetos adquiridos com verba privada ou por meio de permuta, mas com isenção fiscal ? o Rio-2016 afirma que esse número inclui material alugado e devolvido após o evento. Em ambos os casos, as confederações interessadas nas doações precisavam ter projeto aprovado pelo ministério e apresentar certidões de adequação de estatuto à Lei de Incentivo e da Lei Pelé.

Sete das 28 confederações, incluindo futebol, judô e tênis, não apresentaram projetos. A ginástica, por exemplo, não se interessou pelo material de apoio, uma vez que os equipamentos de competição foram alugados e depois devolvidos.

Info – material esportivo Rio 2016 largado

? A organização deixou a desejar. Muita coisa ficou perdida e o que recebemos do Rio-2016 veio tudo picado, aos poucos. Tem material que até hoje não recebi e nem vou receber, como os medidores de temperatura e umidade, que servem para deixar o ambiente adequado para a peteca ? lamenta o presidente da Confederação Brasileira de Badminton, Francisco Ferraz, que está sem as quadras, ainda “presas” num depósito da Aeronáutica.

Dentre os vários relatos, o do tiro esportivo é o mais excêntrico: o ministério comprou máquinas de alvos e de lançamento de prato para uso nos Jogos do Rio. Esses equipamentos ainda não chegaram. A previsão ficou para março.

? A ideia inicial era usar nos Jogos, mas como só existe um fabricante desse material, não houve teve tempo hábil para chegar para a competição. Usamos tudo alugado, mas sem ônus financeiro, já que foram pagos por uma empresa privada ? confirma o presidente da Confederação Brasileira de Tiro Esportivo, Durval Balen, que lamenta não ter ficado com nada. ? Esses equipamentos serão instalados em março no Centro de Tiro, em Deodoro, que é do Exército. Nós ganhamos apenas as sobras dos pratos, cerca de 120 mil unidades, que usaremos em menos de um ano.

EQUIPAMENTOS NÃO RETIRADOS

Enquanto parte do material do atletismo está sem uso por causa da burocracia ? alguns itens serão encaminhados a futuras unidades da Rede Nacional de Treinamento, espalhadas pelo país ?, o boxe e o triatlo sequer retiraram seus equipamentos, comprados pelo Rio-2016. Estão no depósito do COB, órgão destinado a intermediar a distribuição desses bens e fiscalizar o uso dos mesmos periodicamente. A entidade se negou a informar quais entes receberam o legado e qual foi o legado.

A organização deixou a desejar. Muita coisa ficou perdida e o que recebemos do Rio-2016 veio tudo picado, aos poucos. Tem material que até hoje não recebi e nem vou receber

Já o presidente da Confederação Brasileira de Pentatlo Moderno, Hélio Meirelles, dá “graças a Deus” que receberá pouca coisa. A entidade só encaminhou seu projeto ao ME no final de 2016 porque não tinha as certidões exigidas pela pasta.

? Não tinha dinheiro para pagar a viagem dos presidentes das federações para uma assembléia para a mudança de estatuto. Esperei a eleição para presidente, que aconteceu no final do ano, para fazer as duas coisas com um custo só ? explica Hélio, que criticou a organização do Rio-2016.

? Quem ficou nessa dissolução não sabia o que era de um esporte e o que era do outro. Teve confederação que recebeu material trocado. Nós só vamos receber selas de cavalos porque muita coisa foi alugada. Graças a Deus! Não teria onde colocar e precisaria prestar contas anuais sobre o material. E se algum parceiro, uma Prefeitura por exemplo, não cuidar do material? Cai em cima da confederação.

A vela teve o projeto aprovado, mas há pendências. Por isso, todo o material está estocado na Marina da Glória, onde fica a sede da CBVela, mas não pode ser usado. Nos bastidores, comenta-se que o Rio-2016 planejou a distribuição em março de 2016 (outros comitês planejaram dois anos antes do evento).

? Oficialmente, não temos posição do ministério. Mas conseguimos que todo o material fosse guardado na Marina (a confederação assinou parceria com a BR Marinas por 20 anos). Assim, quase nada se perdeu. Porém, sem a documentação não podemos destinar os kits que montamos para as federações e os projetos sociais que pretendemos contemplar. Para nós, não tem feito diferença, pois planejamos usar parte do material, como boias, rádios, GPS, apenas na Copa do Brasil em dezembro. Mas para eles, sim ? disse o presidente da CBVela, Marco Aurélio Ribeiro.

DESTINO: FORÇAS ARMADAS

Como as Forças Armadas não têm impedimento na legislação para adquirir ou receber os bens comprados pelo ministério, elas acabaram sendo as maiores beneficiadas. Os hangares da Aeronáutica, no Rio, armazenam vários equipamentos de mais de 10 modalidades. Boa parte desse material ficará com os militares, pois foi comprado com esse objetivo final.

Legado olímpico – 18.02

O Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes (Cefan), da Marinha, por exemplo, construiu um ginásio com tecnologia sustentável para montar um centro de treinamento para o levantamento de peso e halterofilismo. Tudo o que foi usado nessas modalidades nos Jogos está lá. Servirá ainda para os projetos sociais e na caça a novos talentos. Também utiliza as 90 embarcações usadas para apoio às competições aquáticas, materiais do taekwondo e do futebol (esses dois últimos, doados pelo Rio-2016).

Mas, para o ministério repassar às confederações e estados é outra história. O diretor de esporte de base e alto rendimento do órgão, Paulo Bicalho, admite a burocracia.

? Recebemos os equipamentos e materiais e entregamos ao Comitê para uso nos Jogos por meio de um Termo de Comodato. O Rio-2016 se responsabiliza por devolver os equipamentos após o evento, reparar possíveis estragos, substituir irrecuperáveis e repor extraviados. O ministério também é responsável pela dissolução do material, determinando para qual ente irá cada conjunto de itens. O que foi comprado pelo ministério e vai para os estados, como as piscinas olímpicas, aguarda apenas os trâmites burocráticos relativos a tombamento patrimonial. Do Rio-2016, há um termo de doação. Esperamos terminar todo o mapeamento em abril ? explicou Bicalho, que afirma ainda que o repasse das informações do Rio-2016 não foi tão ágil.

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RIO-2016 DEFENDE LOGÍSTICA

Algumas confederações já estão usando o material doado, como o vôlei, o golfe e o tênis de mesa, uma das primeiras modalidades a receber as doações do Rio-2016. Dez centros de treinamento no país desta última modalidade receberam material, que foi doado pela Federação Internacional ao comitê. A entidade vai inaugurar ainda mais quatro locais de treinamento.

? A contrapartida das federações que receberam mesas e pisos importados, o legado mais importante, é encontrar ao menos quatro novos talentos por ano ? conta o presidente da Confederação Brasileira de Tênis de Mesa, Alaor Azevedo.

Mário Andrada, diretor de Comunicação do Rio-2016, garantiu que a equipe de logística era capacitada para a função mas admitiu que houve um caso de entrega equivocada. Contou que o Rio-2016 iniciou o planejamento de logística seis meses antes do primeiro evento teste, em 2014. Nega que tenha ocorrido desorganização e que não chegou a 1% a porcentagem de equipamentos danificados, gastos ou perdidos.

? Presidentes de confederações ficaram chateados porque os materiais que poderiam ganhar como doação não eram o que queriam. Muitos equipamentos foram alugados ? comenta Andrada, que afirma que, por se tratar de investimento alto, esse material não seria armazenado de qualquer jeito como sugeriram alguns cartolas.

? Movimentamos cerca de R$ 200 milhões em material esportivo comprado, alugado ou cedido, e cerca de R$ 65 milhões foi doado. A logística trabalhou na re-exportação de 120 containers e 800 caminhões com itens dos Jogos. Isso só seria possível com organização. Armazenagem hoje em dia, nesses locais modernos, não se perde nada. Tudo é controlado, especificado, inclusive em termos de valores. Receberam de presente os itens possíveis e ainda reclamam.