Voltas e mais voltas. Este é o ritmo do planeta, e também das palamentas em competições de remo. Um barco de Oito Com, considerada a prova nobre do esporte, é capaz de produzir quase dois mil ciclos de remadas em uma regata decisiva ? como nas finais da Olimpíada do Rio, vencidas pelas mulheres dos EUA e pelos rapazes da Grã Bretanha. A mensagem deixada pelo desfecho do remo nos Jogos Olímpicos, na Lagoa Rodrigo de Freitas, foi uma que as principais equipes de Oito Com sabem há tempos: assim como o mundo em geral, o remo dá voltas.
Os britânicos entenderam a lição nesta Olimpíada. O barco masculino voltou a ganhar uma medalha de ouro no Oito Com, que não vinha desde Sidney-2000. De lá para cá, haviam visto EUA, Canadá e Alemanha subirem ao topo do pódio, este último com gosto especialmente amargo, em Londres-2012, quando eram os anfitriões. Embora chegasse ao Rio como bicampeã mundial masculina no Oito Com, a equipe da Grã Bretanha tratava os alemães como favoritos ao bicampeonato.
Veio, então, a regata decisiva neste sábado. E os britânicos foram implacáveis: pularam na dianteira logo após a largada e assim se mantiveram ao longo de todos os dois mil metros de competição. Foram perseguidos de perto o tempo inteiro pelo barco da Alemanha, que passou em segundo por todas as bóias, nunca mais do que dois segundos atrás da liderança. A vitória foi decidida por um segundo e meio, tempo suficiente para não mais do que um ciclo de palamenta na reta final de regata, em que o ritmo dos atletas por chegar a 40 remadas por minuto.
? Nosso plano de corrida era focar apenas em nós mesmos. Não tivemos a melhor das temporadas neste ano, mas tentamos não olhar o que os outros estavam fazendo. Parte disso consistia em largar bem. Mantemos nossas cabeças baixas e seguimos fortes durante todo o caminho ? afirmou o britânico Scott Durant, o primeiro a cruzar a linha de chegada e garantir a medalha de ouro no Oito Com, já que senta na ponta dianteira do barco.
‘ESSAS SÃO AS AMERICANAS DO OITO COM’
Enquanto o barco masculino da Grã Bretanha surpreendeu vencendo de ponta a ponta, a mais que favorita equipe feminina dos EUA só arrancou na segunda metade da prova. Até a bóia de mil metros, o pódio tinha Canadá, Holanda e as americanas, invictas há uma década, apenas com o bronze. Foi quando, da parte traseira do barco, surgiu um grito decisivo, quase como uma profecia: “Essas são as americanas do Oito Com”.
O grito foi disparado por Katelin Snyder, a timoneira, cujas atribuições vão desde manter a direção do barco até ditar o ritmo das remadas – um híbrido de treinadora e motivadora. Com uma frase, Snyder pareceu ter lembrado as atletas de sua própria dominância em relação às demais: as americanas, agora tricampeãs olímpicas, já ostentavam a dinastia mais duradoura do esporte olímpico, tendo conquistado tudo que disputaram nos últimos dez anos. E a profecia se cumpriu: o ouro feminino foi para os EUA, seguidas por Grã Bretanha e Romênia no pódio.
? Sempre quero demais vencer as regatas, não importa quantas eu ganhei antes ? afirmou Snyder após a vitória no Rio. ? Todas em nosso barco têm pelo menos uma medalha de ouro em Campeonato Mundial, treinamos todo dia entre medalhistas olímpicas. É muito legal conviver com essa experiência.
? Elas são famintas por conseguir algo melhor a cada dia ? atestou Elle Logan, de 28 anos, que já havia participado dos ouros em Pequim-2008 e Londres-2012. ? Todas estavam dando 200% de si mesmas. Ser capaz de não relaxar com as vitórias e seguir melhorando a cada treino é incrível.
CICLOS DE TRICAMPEÃS
O lembrete de Snyder durante a regata decisiva do Oito Com, porém, não parece ter produzido um efeito anímico apenas nas americanas. As britânicas, que tiveram na prata a primeira medalha feminina da Grã Bretanha no Oito Com em Olimpíadas, garantem não terem ouvido a mensagem durante a regata. Em uma interpretação tardia, sentiram que o grito expõe algumas fraquezas na imagem imbatível que se atribui às americanas.
? Estávamos cientes da história delas, mas hoje elas estavam se esforçando tanto quanto nós na regata ? observou Zoe Lee.
? Antes das americanas, quem tinha uma dominância absoluta eram as romenas, que hoje estão à esquerda do pódio ? citou a timoneira Zoe De Toledo, referindo-se às medalhistas de bronze na Olimpíada do Rio.
A Romênia, de fato, foi tricampeã olímpica (Atlanta-1996, Sidney-2000 e Atenas-2004) antes de ter início a dinastia dos EUA no Oito Com feminino ? dinastia que, no Rio, alcançou precisamente três ouros olímpicos em sequência.
? Os EUA têm uma sequência impressionante nesta prova, mas estamos no caminho para alcançá-las ? completou De Toledo, ciente da natureza cíclica do Oito Com: ? Essas coisas vão e voltam.