RIO – Falta de cultura e de informação. Para o médico Eduardo De Rose, especialista em medicina desportiva e membro do Comitê Executivo da Agência Mundial Antidoping (Wada), estes são os principais motivos pelo qual o Brasil figura entre os dez países com mais casos de doping no mundo, segundo o último levantamento da agência, de 2014, com números consolidados de casos de doping.
DoppingDe Rose explica que cerca da metade dos casos positivos no Brasil são para substâncias que não proporcionam ganho de performance ou doping acidental, comprovando assim a falta de intenção do atleta em trapacear. Ainda assim, o especialista avalia que, somente agora, com a criação de fato de uma agência especializada – a Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD) -, o Brasil poderá elaborar estatísticas confiáveis e próprias.
– No relatório de 2014, é possível observar que as substâncias encontradas eram associadas: um estimulante que vinha num analgésico, por exemplo. Casos que mostram a falta de educação com o tema e a falta de cuidado ao usar medicamentos – explica De Rose.
EXEMPLOS EM PROFUSÃO
O médico recorda o incidente com o nadador Cesar Cielo, em que uma farmácia de manipulação assumiu a culpa na contaminação de um suplemento com o diurético furosemida, substância proibida, num caso clássico de contaminação cruzada. O atleta foi absolvido. Ele lembra ainda da também nadadora Etiene Medeiros, que registrou positivo para fenoterol, presente em medicamento para tratamento de asma – ela também não foi punida.
– É preciso educar para combater o doping, além de aumentar o controle para inibir os que tem intenção de trapacear – opina De Rose.
Ele firma que o Brasil passou a ter exames frequentes, para as mais variadas modalidades esportivas, a partir de 2015 com a ABCD. E ressalta que o atletismo e o futebol sempre foram as modalidades mais testadas no país.
– Não há histórico no Brasil sobre o tema. Por incrível que pareça, esse tema é novo – observa o médico, que cita como caso emblemático do Brasil, o doping da equipe de atletismo de Presidente Prudente, quando cinco atletas foram flagrados por uso do hormônio eritropoietina (EPO). – Esse sim foi intencional, o único grande escândalo do Brasil.
Até Jayme Netto Júnior, treinador de três desses cinco atletas, consagrado com duas medalhas em cinco Olimpíadas, e réu confesso no episódio de Presidente Prudente, em 2009, concorda com a pouca intencionalidade.
– Vejo muitos casos de descuido, um pouco como o brasileiro é. Diferentemente do que ocorreu em Prudente, em que sim, tivemos a intenção. Me fascinei pela recuperação física que meus atletas podiam ter e paguei por isso. Não vejo outro caso no Brasil como esse – admite Jayme, que chegou a ser banido do esporte, mas teve a pena reduzida para sete anos, já cumpridos.
Essa falta de cultura de dopagem no Brasil é um contraste em relação ao momento em que a cidade do Rio vive, ao receber uma Olimpíada cercada de polêmica por causa do escândalo de doping russo. Mas pode impulsionar ainda mais o controle, segundo Rogério Sampaio, ex-judoca campeão olímpico, novo secretário nacional da ABCD.
– Com o aumento nos controles principalmente fora de competição, o julgamento de casos de doping num tribunal específico e a educação farão com que o Brasil tenha menos casos. Não só para os que burlam a regra mas também para os que a desconhecem.
De acordo com dados da ABCD, de outubro a dezembro de 2015, foram realizados 639 testes, sendo 349 em competições e 290 fora de competição. Em 2016, de janeiro a julho, foram feitos 2.227 testes, sendo que 1.257 em competição e 970 de surpresa. Para efeito de comparação, a CBF realiza entre 4,2 mil e 4,5 mil exames por ano.
Thomaz Mattos de Paiva, responsável pela Comissão Nacional Antidopagem (Conad) da Confederação Brasileira de Atletismo, afirma que a modalidade tem histórico no controle de doping. Mas esse número aumentou.
– É preciso estatística geral, de todas as modalidades, algo que não existe. Porque se há mais testes no atletismo, a possibilidade de mais casos positivos é maior. Sem controle, não há positivo – observa Thomaz, que também acredita na falta de cultura de dopagem no pais. – Antes da Olimpíada mais de 100 atletas brasileiros perderam testes surpresa porque não conhecem o mecanismo. E mais: além de ensinar o atleta profissional, é preciso ensinar o brasileiro em geral. O comércio de substâncias proibidas na internet mostra o quanto esse problema é disseminado entre os atletas amadores.
Informação faltou a Maurren Maggi que em 2003, às vésperas do Pan-Americano de Santo Domingo, foi pega em um teste surpresa. Sua amostra deu positivo para clostebol, componente de uma pomada cicatrizante usada pela saltadora. O caso a tirou do Pan e também da Olimpíada de Atenas-2004. Sua punição foi de dois anos.
– Hoje vejo muita gente sendo pega em exame de doping e não pagando pelo crime. Vejo facilidades que não tive. E acho que minha punição estava correta. Não deveria ser diferente.