Aex-atleta marroquina Nawal El Moutawakel, ouro nos 400m com barreira em Los Angeles-1984 e atual presidente da Comissão de Coordenação do COI era só sorrisos na última sexta-feira, ao lado de Christophe Dubi, diretor esportivo do Comitê, na sede da Rio-2016, no Estácio. Em conversa exclusiva com O GLOBO, os dois não se cansaram de elogiar a cidade e o país, mas lembraram as dificuldades de se realizar um evento como os Jogos, principalmente no volátil ambiente brasileiro.
A pouco menos de um mês dos Jogos, qual é a impressão de vocês?
Nawal El Moutawakel: Estamos extremamente satisfeitos com os Jogos do Rio. Vemos a cidade totalmente transformada, percebemos que foi uma Olimpíada muito desejada.
Christophe Dubi: Faltam apenas pequenos detalhes de última hora, que serão resolvidos. O Rio e o Brasil têm pessoas excepcionais, mostraram que são capazes.
Existe uma tensão em relação à segurança durante os Jogos?
Nawal: Desde o começo tivemos a garantia das autoridades de que essa seria uma das prioridades, ou a prioridade das prioridades do governo brasileiro, mesmo no dia a dia. Sabemos que estão sendo feitos esforços enormes para que se garanta a integridade dos atletas, dos profissionais, dos espectadores, de todos. Eu soube que são cerca de 80 mil agentes de segurança para a operação. Desde que começamos a preparar os Jogos no Rio, há sete anos, eu disse que não teríamos um minuto a perder. Esta é a minha última visita antes dos Jogos e não preciso mais dizer isso, acho que todos são responsáveis e conscientes do dever de cada um.
Há um temor entre os cariocas de que a operação de segurança, depois de desativada, deixe a cidade desprotegida.
Christophe: Uma das nossas principais missões para estes Jogos é o legado, e ele se estende à segurança. São dois fatores principais: a integração das forças de segurança e os novos equipamentos. Eu conversei com o governador Dornelles, e ele me garantiu que teremos esse legado.
Algum de vocês ou de suas equipes já sofreu ou testemunhou um episódio de violência no Rio?
Christophe: Pessoalmente, nunca vi nem fui vítima de nenhum episódio de violência. Já vim ao Rio mais de 50 vezes, sinto-me um carioca, e nunca passei por nada. É claro que lemos as reportagens, sabemos da situação da cidade.
Nawal: Eu venho ao Rio regularmente há sete anos e também nunca vi nada.
Nawal, depois desses anos, como a senhora vê a transformação na cidade?
Nawal: Em 2009 eu era a presidente da comissão de avaliação, e Carlos Nuzman me apresentou o sonho, que hoje virou realidade. Quando vi que a candidatura do Rio tinha ganho de Tóquio, de Madri, vi que era uma cidade, uma equipe, um país capazes de mover as montanhas. Hoje (na última sexta-feira) cheguei ao aeroporto e o vi totalmente transformado. Fico muito feliz e orgulhosa, as estruturas sendo montadas em Copacabana, as equipes excepcionais no Parque Olímpico, de Deodoro. Faltam minidetalhes. Podemos falar de segurança, de zika, de muitos assuntos, mas sei que veremos todos os brasileiros unidos, com muita emoção. Um povo que ama o esporte. Espero muito que a primeira medalha vá para um brasileiro ou uma brasileira.
Acaba de acontecer o último encontro de revisão das tarefas para os Jogos Olímpicos. O que mais preocupa neste momento?
Christophe: Estamos na preparação final das instalações. É bastante coisa, mas precisa ser feito. Muitos dos assentos nas arenas olímpicas são temporários, porque queremos assegurar que tudo o que requer mais investimento tenha legado. E é muito comum que instalações temporárias ocorram no último minuto. Você não pode fazer este tipo de contratação tão cedo. Antes, precisa construir a arena, fazer o cabeamento, preparar os pontos de operação de imprensa. O lado físico é o nosso principal foco de atenção neste momento.
Você confia no sistema de suprimento de energia?
Christophe: Ele é bem confiável. Um sistema baseado em energia primeira regular, com geradores para energia secundária. Ele é feito com dupla potência. Estamos confortáveis com ele. Ainda temos alguns geradores de energia para serem fixados e testados. Mas o calendário de instalação está bastante adiantado.
O uso de geradores a diesel será superior ao previsto. Isso não prejudica o compromisso de sustentabilidade?
Christophe: Você tem que ver o contexto global. Quando analisa o compromisso de sustentabilidade, não pode ver um elemento de forma isolada. Ele deve ser analisado ao longo dos sete anos de preparação. Você tem o uso de veículos e geradores, sim, mas há outras ações que são muito importantes. Em tudo o que fazemos, sustentabilidade e legado devem direcionar a decisão final.
Esta foi a primeira Olimpíada na América do Sul. Foi a mais difícil de organizar?
Nawal: Eu participei da organização em Londres-2012 e estou neste maravilhoso projeto de 2016. Posso dizer que os desafios são bastante similares. Quando observamos o quão longe já chegamos, é importante destacar que as arenas estão prontas, a vila dos atletas está pronta. Os eventos-testes ocorreram em 2015. Até o último minuto temos que trabalhar muito duro.
Christophe: Estou envolvido com a comissão de coordenação dos Jogos desde 1998, e é verdade: as tarefas são muito parecidas e temos uma imensa carga de trabalho. Desta vez, no entanto, o que estamos enfrentando é um contexto político, econômico e social que não é o mesmo de quando os Jogos foram dados ao Rio. O extraordinário é que conseguimos estar com tudo isso pronto. Brasileiros e cariocas são pessoas excepcionais, enfrentando situações tão complicadas, que, ainda assim, estão conseguindo entregar Jogos excepcionais.
A situação política do Brasil causa algum desconforto?
Nawal: Tivemos uma reunião entre o presidente Tomas Bach e o presidente interino Temer sobre a situação política, e foi uma conversa benéfica. Sabemos que o país vive uma situação política complicada. Teremos um presidente interino durante os jogos. A presidente Dilma estará lá também, tanto ela quanto os antigos presidentes. O presidente Temer nos deu garantias e nos apoiou muito na finalização de todos o projeto olímpico.
Ainda há cerca de 1,7 milhão de ingressos não vendidos. Isso é uma preocupação?
Christophe: Estamos falando de 1,5 milhões de oportunidades. O que estamos vendendo não é um ingresso para um evento esportivo. É o melhor evento esportivo. É o topo das emoções. E os cariocas são muito famosos pela capacidade de se mobilizarem no último minuto. É isso que vai acontecer.
Muitos atletas desistiram dos Jogos sob alegação de medo do vírus zika. Este é um argumento razoável?
Christophe: Ao todo, quase 11 mil atletas estarão nos Jogos. Então, não são muitos que desistiram. A grande maioria vem. Quando você tem um atleta que decide não participar, a única coisa que você tem a fazer é respeitar. Não importa a razão. Não cabe a nós interpretar. Você deve olhar o copo quase todo cheio.
Em algum momento vocês pensaram que não daria certo?
Christophe: Quando você tem a qualidade das pessoas que nós temos trabalhando aqui, você não tem medo. Você olha para amanhã e mira na próxima tarefa, sempre focado no objetivo final.
Se a eleição para sede dos Jogos fosse hoje, o Rio seria escolhido?
Christophe: se você perguntasse a mim, eu diria que sim! A cidade tem energia, um grande coração e a infraestrutura que iria nos oferecer exatamente o que precisamos: Jogos empolgantes, muitas emoções e experiências incríveis. Eu votaria a favor.
Qual seria a manchete do relatório final dos Jogos do Rio?
Nawal: ?Yes, we can?.
Christophe: Sim, nós podemos (risos). Os Jogos transformaram a cidade, a vida dos cidadãos, e o Rio contribuiu.