Em um Maracanã escuro, com as luzes de seus corredores vazios em parte desligadas, em um sinal de fim de festa, a pira foi apagada com o mesmo sopro de vento que renova as esperanças do surgimento de um mundo novo, como sugere o slogan dos Jogos. Após mais de uma semana de competições em diversas arenas, a última exibição dos paratletas aconteceu debaixo de chuva no maior palco: o Maracanã.
Iluminados pelas queimas de fogos que reverenciavam as suas lutas pessoais e coletivas, os paratletas já ocupavam o gramado quando a cerimônia começou. Na sequência da contagem regressiva, os acordes na guitarra de Andreas Kisser remetiam ao Sepultura e ao seu som apocalíptico. Só que o fim sugerido encontrava conexão com a ideia de continuidade e transferência de sede do Rio para o Japão. Quase ao mesmo tempo, as redes sociais da prefeitura já estabeleciam o pokemon Pikachu como um símbolo informal e universal de Tóquio-2020, sede dos próximos Jogos.
Os atletas seguiram adiante em uma volta olímpica que não estava no roteiro, deixando seus lugares e protocolos de lado. Ao som da Nação Zumbi, o maracatu atômico criado pelo inesquecível Chico Science transformou o Maracanã em um imenso bailão de todos os povos, sem fronteiras ou idiomas, como propõe o Mangue Beat. A parabólica, dessa vez, estava cravada na grama do estádio mítico e emitia sinais digitais para o planeta em forma de manifestação. Em um cartaz, o vocalista Jorge Du Peixe pedia a saída do presidente Michel Temer.
VAIAS E APLAUSOS PARA PAES
No embalo da união e da derrubada de barreiras físicas, Saulo Fernandes cantou ?One Love?, da lenda do reggae Bob Marley. Alinhou corações e mentes antes do momento político do evento, que, ao contrário do proposto na letra do astro jamaicano, não teve unidade. Quando o prefeito Eduardo Paes subiu ao palco, foi vaiado, mas também aplaudido. Ele entregou a bandeira paralímpica para as mãos da governadora de Tóquio Yuriki Koike.
A próxima cidade-sede foi exaltada como exemplo de harmonia entre tradição e modernidade. Os Jogos de Tóquio-1964 foram lembrados por ensinar que ?uma deficiência abre novas possibilidades?. Ao mesmo tempo, a nova competição em quatro anos poderá ser o início de uma nova maneira de extinguir o rótulo de pessoas deficientes, o que foi simbolizado em uma coreografia que abre oportunidades para uma nova era sem classificações.
A chuva apertou no meio da cerimônia e o número de cadeiras vazias no centro do gramado aumentou. Os paratletas começaram a deixar o campo e buscar abrigo. Mas nem por isso deixaram de ser as estrelas da festa, lembrados em discursos de autoridades ou nas imagens dos telões, em uma emocionante reprise de seus desempenhos nas arenas cariocas.
A chama olímpica ainda estava acesa quando centenas de cataventos se encarregaram de ?apagar? a luz. Mesmo com o símbolo máximo fora de cena, o público seguiu no embalo de Ivete Sangalo e o seu contagiante refrão ?O sol vai brilhar inteiro para nós?. `Prova de que a chama jamais se apagará no Rio. A festa ficou completa com “Poeira” e “Tempo de alegria”, que encerraram a cerimônia.