O olhar de Ekaterina Karsten se ilumina, e ela subitamente interrompe a entrevista. Estica o pescoço e, com um sorriso juvenil, acompanha junto aos jornalistas a chegada da final do Single Skiff feminino na Olimpíada do Rio, vencida pela australiana Kim Brennan.
Aos 44 anos, 13 a mais do que a já experiente Brennan, Ekaterina queria estar na água da Lagoa Rodrigo de Freitas, medindo forças com a australiana na regata decisiva. E quase esteve: remadora de Belarus, Ekaterina havia saído da água há pouco, após uma arrancada de almanaque nos metros finais lhe garantir o segundo lugar na Final B do Single Skiff, posição que equivale à oitava colocação geral.
Com sete Olimpíadas no currículo, a bielorrussa segue como uma das melhores remadoras do mundo. Há três meses, foi quarta colocada no Campeonato Europeu. Aos poucos, porém, as marcas de brilho começam a se apagar no rosto e na carreira da remadora. Ekaterina responde perguntas com fala pausada e baixa, aparentando cansaço e beirando a resignação.
? Não sei como é em outros países, mas em Belarus a juventude não tem uma liderança clara. Eles estão quase sempre nos smartphones e computadores, não vejo ninguém que eles possam admirar no esporte. Estou feliz de poder competir e ser um desafio aos atletas mais jovens. Quero inspirar nossa juventude e mostrar a eles que até nessa idade você pode ter bons resultados, e que ficar no computador não é a única coisa divertida ? reflete Ekaterina, decepcionada por ter sido eliminada da disputa de medalhas na semifinal:
? Eu estava contando com ir à Final A e disputar medalha, mas o problema é que hoje em dia as atletas estão cada vez mais fortes. Além disso, as ondulações que eu peguei nas quartas de final exigiram muito esforço. Cheguei sem forças à semifinal.
INÍCIO PÓS-SOVIÉTICO
O primeiro título mundial de Ekaterina veio em 1991, na Áustria, quando competia no Double Skiff e representava a União Soviética ? bloco de repúblicas comunistas que havia desmoronado, politica e economicamente, dois anos antes. Em sua primeira Olimpíada, a de Barcelona-1992, Ekaterina ? cujo nome de solteira é Khadatovich ? competiu pelo Time Unificado, a equipe pós-soviética que foi àqueles Jogos usando a bandeira olímpica.
Desde então, todos os grandes feitos de Ekaterina foram alcançados por Belarus – ela nasceu em Minsk, a capital do país – e competindo no Single Skiff. Foi nesta categoria que a remadora levou seis títulos mundiais e dois ouros olímpicos, em Atlanta-1996 e Sidney-2000. Nesse meio tempo, casou-se com um alemão, adotou o sobrenome Karsten e mudou-se para Potsdam, na região da antiga Alemanha Oriental, onde vive até hoje.
Ekaterina soma cinco medalhas em Olimpíadas: além dos dois ouros, foi prata em Atenas-2004 e bronze em Pequim-2008 e Barcelona-1992, esta última competindo no Skiff Quádruplo. Em Londres-2012, terminou na quinta colocação, disputando a Final A. A eliminação nas semifinais na Olimpíada do Rio foi tão decepcionante que, na sexta-feira em questão, Ekaterina sequer quis falar com os jornalistas de seu próprio país – algo incomum, segundo Nick Stula, repórter da TV Belarus.
? Ficamos desapontados. Yuriy Rodionov, o treinador principal da equipe de remo, diz que o erro de Karsten foi competir em um barco individual. Ele queria colocá-la no Double Skiff (barco de dupla), mas Norbert Laderman, o treinador alemão de Ekaterina, convenceu ela de que poderia disputar medalhas no Single Skiff ? lamentou Stula.
‘NÃO SINTO O ESPÍRITO OLÍMPICO’
Embora a remadora viva fora de Belarus há quase duas décadas, Stula garante que a idolatria por Karsten se mantém em alta no país. A própria Ekaterina não descarta trabalhar futuramente como treinador ou até dirigente para a equipe nacional de remo, mas hesita quando perguntada se voltaria ao país – a família, segundo ela, está adaptada à Alemanha. Certeza, contudo, ela tem uma: os Jogos do Rio foram sua última Olimpíada.
? Não vou para Tóquio-2020 de jeito nenhum. De todas as sete Olimpíadas que disputei, a do Rio foi a pior em termos de instalações para os atletas ? reclama.
Ekaterina começou sua trajetória olímpica após uma década de boicotes dos EUA e da União Soviética aos Jogos sediados por um e outro, seguido pelo fim do bloco comunista. Em uma das voltas que a História proporciona, o fim de sua trajetória acontece em meio ao banimento massivo de atletas da Rússia, antiga liderança soviética, devido às acusações de doping institucional. O papel abertamente pró-banimento dos EUA voltou a esquentar os ânimos da velha e até então adormecida rivalidade da Guerra Fria. Ekaterina expõe seu incômodo:
? Conversei com alguns jornalistas russos que me disseram já estarem acostumados, mas eu não. Realmente não sinto o espírito olímpico nestes Jogos.