Empreiteiras brasileiras estabeleceram, em suas relações com a administração pública, um deletério padrão de contratação de obras. Formou-se, ao longo dos anos, uma cultura de avanço sobre verbas controladas pelos governos em que o ?normal? são práticas que disfarçam o assalto ? superfaturamento de preços, contratos fantasiosos cujos valores são inchados por aditivos, pagamento de propinas, serviços oferecidos e apenas parcialmente cumpridos; enfim, uma série de ações para burlar as boas normas que deveriam reger as ligações entre empresas privadas e poder público.
À medida que essa degradação quase sistêmica ? desnudada pela Lava-Jato no petrolão, o assalto organizado pelo lulopetismo e aliados aos cofres da Petrobras ? tornou-se a marca de um modelo de corrupção que se generalizou em obras contratadas pelo poder público, era previsível que métodos aéticos respingassem em todas as instâncias da administração. Afinal, mudam os atores no lado governamental do balcão, mas as empresas são as mesmas.
O Rio, que movimenta um notável orçamento para recepcionar a Olimpíada, não escapou dessa teia. Esta semana, o consórcio Queiroz Galvão/OAS ? as duas presentes na Lava-Jato ? entrou no radar da Polícia Federal, devido a estranhas movimentações nas obras do Complexo Esportivo de Deodoro, o segundo maior polo de competições da Rio-2016. Ali haverá disputas em 11 modalidades olímpicas e quatro paralímpicas.
A PF desconfia ter encontrado na construção do complexo de Deodoro traços de DNA semelhante ao de contratos do petrolão (e de outros empreendimentos sob suspeita, como as obras da Copa do Mundo, algumas ainda a exigir esclarecimento). E, pelo que se divulgou até agora no episódio que veio à tona esta semana, são fortes os indícios de que há graves irregularidades na obra.
O contrato inicial do complexo esportivo partiu de um montante de R$ 643 milhões, e hoje já se sabe que o último prego será batido por não menos que R$ 738 milhões. Diante das evidências de que algo está fora de ordem, a Justiça já bloqueou R$ 128,5 milhões que deveriam ser pagos ao consórcio. Correto, como medida preventiva para conter a sangria sob suspeita, mas não o suficiente para esclarecer até que ponto as acusações contra as empresas são procedentes. A gravidade das suspeitas impõe ações mais contundentes.
Isso passa necessariamente por uma investigação que vá ao fundo da questão. A Lava-Jato criou uma expertise, um parâmetro para tratar questões como essa, sem medir até onde o braço da Justiça acabe por alcançar.
É lamentável que, a menos de dois meses da Olimpíada, o Rio esteja discutindo, no âmbito dos Jogos, casos de polícia em lugar, por exemplo, da preparação de atletas. Mas é imperioso que o faça, para que não se empane o brilho do evento e para se punir quem o mereça.