DIREITO DA FAMÍLIA

Choque de gênero

O mundo dos avessos se evidencia com os choques entre o idealizado e o fardo da realidade. Fica difícil conciliar a maternidade romantizada para meninas que cresceram ouvindo que o primeiro marido deveria ser o diploma, que deveriam ser independentes. Era o grito de liberdade de tantas gerações acorrentadas nas amarras do patriarcado, a necessidade de quebras as correntes.

Mas, havia um porém: do outro lado, muitos meninos da mesma geração se viam constantemente desvencilhados de responsabilidades, afinal, são só meninos. Por vezes, estão isentos dos afazeres domésticos diante da comodidade da incompetência performada, isto é, é mais fácil fazer mal feito que alguém fará em seu lugar. Esse “menino” não dividirá de forma justa os fardos da maternidade/paternidade e mais, não será severamente julgado pela sociedade quando escolher (sim, para eles há a opção) ir embora.

À mulher, porém, restará a carga da culpa, da exaustão e do julgamento, os quais se iniciam internamente. Não poderia ser diferente em uma sociedade fundada em cânones como Shakespeare. Em um dos seus clássicos, Hamlet, há uma pequena frase que ecoa a misoginia, enquanto violência estrutural, até os dias atuais: “Fragilidade, teu nome é mulher”. Esse ser pernicioso, desde Eva, atentaria contra a moral dos homens…

Estes que tantas vezes ridicularizam e menosprezam a violência doméstica e familiar, sendo dos maiores perpetradores. Não que sejam necessariamente perversos, o mal pode ser banal, ou seja, sistêmico e estrutural; instrumento de dominação e opressão. Paradoxalmente, a informação sobre os atos violentos que deveria empalidecer acaba, de tão recorrente, auxiliando na dessensibilização. Torna-se o cotidiano.

Nesse, os “meninos” deixam de ser prodígios, vivendo de bico ou de desemprego (como se fosse profissão e não condição) para reduzir ou isentar o pagamento de pensão alimentícia – fato que é rechaçado pelos Tribunais. Ao passo que elas dependem das cortes para garantirem maior descanso, diante de dupla ou tripla jornada, na medida em que o Supremo Tribunal Federal reafirma que elas não podem trabalhar dois domingos consecutivos, por exemplo.

Eles podem, ainda, ser inocentados ao retirar a dignidade delas e até mesmo sua infância por serem “garotos” ingênuos dominados por mulheres perversas que não transparecem a pouca idade. Elas são engolidas pela vida transcende as leis, feitas, em grande medida, para suprir os interesses deles.

O cotidiano, portanto, abraça homens que buscam as mulheres de antigamente (submissas e presas aos dogmas patriarcais ou facilmente manipuláveis) no descompasso com mulheres que buscam homens do futuro (que partilhem sua visão de mundo e de independência). O problema passa a ser de espaço e de tempo, mas também gramatical: elas são verbos que se encontram com eles enquanto substantivos. Raro que os últimos se tornem advérbios para darem intensidade na vida (e na oração).

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e doutoranda em Direito