Guaraniaçu – Há dois anos uma tragédia abalava Guaraniaçu. Pouco depois de saírem de uma festa, cinco jovens perderam a vida em um acidente na BR-277. O acidente ocorreu no dia 19 de junho de 2016. O motorista invadiu a pista contrária e bateu de frente em um caminhão. No carro, várias latinhas de bebidas alcoólicas vazias. Dor e desespero para familiares e amigos. Essa é consequência mais grave de combinar bebida e direção.
Para tentar reduzir estatísticas como essa que em 2008 entrou em vigor no Brasil a conhecida Lei Seca, que proibiu motoristas de dirigirem após o consumo de bebidas alcoólicas. Embora com multas pesadas no bolso (R$ 2.934,70), mais a perda da carteira de habilitação e o recolhimento do veículo, além da possibilidade de prisão, o crime continua a ser praticado. Os números já foram maiores, mas um grande desafio ainda é mudar o comportamento dos condutores.
A Lei Seca impôs tolerância zero sobre o assunto, mas há uma pequena tolerância para escapar da prisão. Quando o etilômetro marca menos de 0,34 ml de álcool por litro de ar expelido.
Vamos aos números. A pedido da reportagem do Jornal O Paraná, a PRF (Polícia Rodoviária Federal) pesquisou dados a respeito da fiscalização da Lei Seca nas estradas do Estado. Não há dados desde a implantação da lei. Mas, de 2012 a 2017, 6.807 motoristas foram presos em flagrante por embriaguez ao volante. Um total de 24.611 não passou no teste do bafômetro nesse período.
Números em queda
A boa notícia é que os números estão em queda. Se analisar os dados dos últimos seis anos, as prisões caíram pela metade e a incidência de autuados também é menor: em 2012, de cada mil motoristas que faziam o teste do bafômetro, 32 não passavam. Em 2017, essa proporção caiu para 22 a cada grupo de mil.
Falta de educação
Contudo, a embriaguez no volante ainda é uma das maiores causas de acidentes e de mortes no trânsito. Por que isso ainda acontece? Falta de educação! “É o hábito que muda esse comportamento. Antigamente, ninguém usava cinto de segurança porque não era obrigatório, hoje virou hábito. Beber e dirigir ainda parece ser normal, mas é falta de educação, educação dos próprios pais. Se o pai, na frente do filho, ingere bebida alcoólica e dirige, a criança está sendo ensinada a isso e, futuramente, não vai deixar de dirigir após beber só porque é proibido. O maior desafio é mudar esse comportamento”, afirma o titular da 16ª Promotoria Pública de Cascavel, promotor público Alex Fadel.
Saúde pública
Hoje, os acidentes de trânsito são tratados como questão de saúde pública. Isso porque são eles os responsáveis pela sobrecarga do sistema. “Se você bebe e dirige e causa um acidente e essa pessoa vai para o hospital, mobiliza toda uma estrutura de socorro. A vítima vai para o hospital que já tem uma demanda grande. Isso sem contar o custo, pois muitas vítimas ficam com sequelas e pedem produtividade. No País, por ano, são R$ 40 bilhões gastos para o socorro de vítimas de trânsito”, ressalta o tenente Ademir Sampaio, especialista em trânsito e diretor de Educação e Fiscalização do Trânsito da Cettrans.
Fiscalização
Apenas na delegacia da PRF da região de Cascavel, desde 2008, em média 600 motoristas por ano são flagrados dirigindo sob efeito de álcool. “Fazemos ações preventivas diariamente, convidando os motoristas para fazerem o teste do etilômetro em caráter educativo e também fazemos a parte repressiva, em que, inclusive, podemos prender a pessoa em caso de recusa de fazer o teste. Aliás, essa mudança foi a mais benéfica na lei nesses dez anos. A simples recusa já caracteriza infração administrativa e, se o motorista estiver com sinais de embriaguez, mesmo não fazendo o teste, ele pode ser preso diante de testemunhas e outros sinais”, afirma o policial rodoviário federal Alysson Vidor, responsável pelo setor de relações públicas da Delegacia da PRF em Cascavel.
Medidas que educam
Uma das estratégias ainda é o trabalho de educação dos motoristas. Em Cascavel, a Cettrans (Companhia de Engenharia de Transporte e Trânsito) tem um aparelho para teste, que é usado em operações realizadas principalmente durante a madrugada. Além disso, acordos são feitos para facilitar que o motorista que beber em alguma festa, por exemplo, consiga voltar para casa sem pôr outras pessoas em risco. “Fizemos um acordo com taxistas para que a pessoa que ligar para eles dizendo que bebeu e quer voltar para casa ganhe 20% de desconto. Nem todos os profissionais fazem, mas existe um acordo para incentivar essa prática. Temos que entender é que, ao ingerir bebida alcoólica, perde-se a visão periférica, o tempo de frenagem, a percepção de obstáculos e o reflexo. E que muita gente diz que dirige melhor quando bebe, é mentira”, assegura o tenente Ademir Sampaio, diretor de Educação e Fiscalização de Trânsito da Cettrans.
Homicídios no trânsito seguem sem punição
Um dos problemas que ajudam a manter altos os números de embriaguez ao volante é a sensação de impunidade. Isso porque os casos de homicídio no trânsito tramitam durante anos na Justiça e é muito difícil que o condutor seja punido efetivamente.
Um dos casos mais notórios do Paraná é do ex-deputado estadual Fernando Ribas Carli Filho, condenado em fevereiro por duplo homicídio com dolo eventual a nove anos e quatro meses de prisão pelas mortes de Gilmar Rafael Souza Yared e Carlos Murilo de Almeida. O acidente aconteceu em 2009, mas vários recursos protelaram o julgamento. Apesar da decisão, ele continua em liberdade.
Os jurados consideraram que Carli Filho assumiu o risco de matar ao dirigir em alta velocidade e alcoolizado. Para tanto, a acusação recorreu a várias testemunhas que viram o ex-deputado beber naquela noite, pois o laudo do exame do dia do acidente nunca apareceu.
Em Cascavel, neste ano dois mutirões para julgamento de crimes de trânsito já foram realizados e quase 300 processos tirados da gaveta. Mas, para o promotor Alex Fadel, a prisão não é a melhor resposta: “A pessoa precisa ver o resultado daquilo. Ir a um hospital para ajudar as pessoas vítimas de acidente de trânsito, por exemplo, e também perder dinheiro, por meio de multas. Não adianta mudar toda a lei e colocar aquele motorista infrator numa cadeia porque isso não vai mudar um costume”.
“Além disso, é bem diferente a pessoa dirigir sob efeito de álcool e matar uma pessoa no trânsito casualmente, o que é considerado homicídio culposo; em comparação ao motorista que bebeu, dirigiu, furou sinal vermelho e cometeu diversas outras infrações e matou alguém no trânsito de forma irresponsável, em alta velocidade. Esses, sim, devem ser tratados como homicídios com dolo eventual”, acrescenta.