Ano foi o de maior registro deste tipo de crime, avalia núcleo da Secretaria de Justiça
Curitiba – O ano de 2017 foi o ano que o Paraná teve mais registros e mais denúncias de pessoas traficadas dentro e fora do País desde que se passou a fazer esse tipo de acompanhamento.
Segundo a coordenadora do Núcleo Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Seju (Secretaria de Estado da Justiça), Silvia Xavier, houve 148 denúncias, muitas dando conta do tráfico de mais de uma pessoa. E o ano fecha com a triste estatística: mais de 200 paranaenses estão traficados, a maioria deles sem uma pista sequer do paradeiro. “Não se pode ter uma noção exata de quantas pessoas estão lá fora traficadas, mas com certeza, pelo registro formalizado, são mais de 200 pessoas”, lamenta.
Mas em pleno século XXI, como isso ainda acontece? A maioria, 45% delas, é criança ou adolescente. Em seguida vem pessoas do sexo feminino e travestis de 18 a 44 anos. O objetivo do tráfico é a exploração sexual – cerca de 80% dos casos -, seguida pelo trabalho análogo à escravidão que compreende os outros 20%. “São vítimas iludidas com a promessa de ganho fácil, de um trabalho diferente e quando chegam ao destino se deparam com o trabalho escravo ou a exploração sexual. Tiram-lhes os documentos, não permitem acesso à rua, ao telefone, às redes sociais. Vivem numa espécie de clausura”, detalha.
Essas vítimas estão sendo captadas por algumas quadrilhas, muitas inclusive que trocam informações entre si e com uma grande rede de articulação e capilaridade na região oeste, no Estado e fora dele. A forma de interceptação das vítimas também ganha novas roupagens. No caso das crianças, a interceptação ocorre na porta das escolas e até mesmo em shopping e outros ambientes apesar de estarem com um responsável. “Existem casos de aliciamento até em igrejas”, alerta.
Redes sociais são principal caminho para aliciamentos
As redes sociais têm sido as grandes vilãs: “Existem inúmeros casos em que as denúncias indicam que as quadrilhas usam as redes sociais para esse contato. Basta uma foto mais ousada para que atraia atenção dos aliciadores”, alerta a coordenadora do núcleo, Silvia Xavier.
E agora mais uma revelação estarrecedora: dentre os principais destinos dos traficados estariam outras regiões do próprio Paraná, outros cantos do País e, é claro, países europeus. “Até não muito tempo percebíamos que o perfil das pessoas traficadas indicava que eram de famílias pobres, hoje isso também mudou. Existem muitos traficados que são de famílias bem estruturadas, com bons rendimentos, jovens universitários. Isso significa que as quadrilhas estão atacando em todas as frentes e meios e tendo certo êxito nisso”.
Um serviço intenso de rastreamento vem sendo realizado com o objetivo de identificar as cadeias de comando dessa rede. O objetivo é chegar, a partir das investigações da Polícia Federal, à movimentação econômica dessas quadrilhas para tentar pôr fim a esse tipo de crime.
Triste realidade: Apenas nove traficados voltaram para casa
Apesar de um trabalho intenso para chegar aos aliciadores e localizar as vítimas, em 2017 apenas nove pessoas voltaram para casas aqui, no Paraná. “Entre os localizados está uma criança e os demais são adultos. Inclusive, uma jovem voltou grávida. Todos eles haviam sido mandados para fora do País”, conta a coordenadora do Núcleo Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Seju, Silvia Xavier, ao alertar que, por se tratarem de processos sigilosos e para não atrapalhar as investigações, não é possível detalhar a origem nem o destino dessas pessoas.
Outro aspecto que chama a atenção é que, apesar de tantas crianças e adolescentes levados, não há registros oficiais dos desaparecimentos. Tudo o que se tem são as denúncias, a maioria anônimas, ao Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico.
Para a coordenadora do núcleo, isso pode revelar outro aspecto muito preocupante: a conivência das famílias quando se tratam de crianças e adolescentes e o desconhecimento do real paradeiro dos jovens e adultos. Alguns por terem saído de casa ou estarem brigados com seus familiares ou amigos e até mesmo por viverem mais reclusos.
Para denunciar as suspeitas de tráfico de pessoas, tanto do desaparecimento de suspeitos quanto de um possível envolvimento de aliciadores, as denúncias podem ser feitas de forma anônima pelo telefone 181.
Caso intrigante
Na região oeste do Paraná pelo menos dois casos ainda estão repletos de dúvidas e de incertezas. Um deles diz respeito ao desaparecimento da menina Tatiele Terra Felipe ocorrido em dezembro de 2015. Na época, a garota tinha dez anos e sumiu depois de sair da casa da avó no Bairro Universitário, em Cascavel. Há dois anos ninguém tem notícias da menina tampouco do seu paradeiro.
O caso vem sendo investigado pelo Sicride (Serviço de Investigação de Crianças Desparecidas), mas as investigações nunca prosperaram. Não se descarta a possibilidade de ela ter sido vítima de tráfico de pessoas.
Menino achado teria sido traficado?
O registro mais recente e surpreendente envolve o caso que ficou conhecido por ter sido protagonizado por uma mulher identificada como Maria Paraguai, em Cascavel.
Tudo começou quando o Conselho Tutelar recebeu a notícia de que um menino havia sido encontrado na rua, supostamente abandonado. As investigações apontaram que a criança de origem paraguaia teria sido entregue a uma família, por intermediação de Maria Paraguaia, mas a família devolveu o garoto. Cerca de uma semana na casa de Maria, ela teria simulado o abandono e acionado as autoridades.
A investigação revelou ainda que o menino, que não fala uma palavra em português, é filho de uma adolescente que também estava na casa de Maria Paraguaia. No local encontraram ainda uma menina de dez anos, também paraguaia, todas trazidas ilegalmente ao Brasil.
Maria Paraguaia está presa e pode responder por tráfico internacional de pessoas.
O caso corre sob segredo de Justiça e está nas mãos da Polícia Federal. Ontem à tarde, Ministério Público e Juizado da Infância e da Juventude convocaram uma coletiva.
O promotor Luciano Machado e o juiz Fabrício Mussi contaram que os três menores que estavam na casa de Maria da Conceição já foram repatriados para o Paraguai.
Luciano explicou que os três são da mesma família. “A adolescente de 17 anos é mãe do menino [abandonado] e a outra menina, de dez anos, é sobrinha dela”.
Contudo, eles se disseram impedidos de confirmar um parentesco entre Maria Paraguaia e os menores, tampouco para qual cidade eles foram levados, apenas reforçaram que o caso agora compete ao Governo do Paraguai.