Esportes

Remo brasileiro usa Olimpíada como teste para deixar papel de coadjuvante

Rob Waddell, chefe de delegação da Nova Zelândia nesta Olimpíada e ex-remador, ouro em Sidney-2000, arregala os olhos quando informado que três dos quatro principais clubes de futebol do Rio tiveram o remo como esporte fundador: “Não fazia ideia”, ele diz. Waddel já visitara as sedes náuticas de dois deles, Botafogo e Flamengo, durante o Mundial Júnior em 2015. Mas não percebera que ambos não haviam surgido do futebol, esporte mais popular atualmente. Remo 09-08

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A surpresa de Waddell reflete um processo gradual em que o remo brasileiro passou a um papel secundário, por razões que variam entre pouco investimento e o histórico de atritos entre federações estaduais (como a do Rio) e a confederação nacional, passando também por mitos e preconceitos a respeito do esporte. Para as brasileiras Fernanda Nunes e Vanessa Cozzi, eliminadas na repescagem do Double Skiff Leve nesta terça, o histórico recente tornava quase impossível uma medalha no Rio. A receita do sucesso não é mistério: trabalhar a longo prazo. O problema, no caso do remo, é aplicá-la na prática.

? É como diz o (técnico da seleção masculina de vôlei) Bernardinho: não existe atalho. Todo trabalho é uma construção. O que me preocupa é que no Brasil existe essa cultura de abandonar algo que não funcionou uma vez. Você não pode desistir de um atleta só por conta de uma derrota. É só olhar o histórico internacional das nossas adversárias e ver que elas têm muito mais experiência do que nós. Isso faz falta, até para a gente aprender a adaptar melhor nossa remada a diferente situações de vento. Quanto mais a gente conseguir participar dessas competições, mais longe poderemos chegar ? avaliou Fernanda após a quinta colocação na repescagem.

Ela e Vanessa formaram a dupla no início deste ano. A vaga nos Jogos veio através do Pré-Olímpico das Américas, seu primeiro torneio internacional juntas. Ambas não sabem se haverá recursos ou incentivo para manter a dupla depois desta Olimpíada, já que treinam em estados diferentes ? Fernanda é atleta do Flamengo, enquanto Vanessa rema pelo Pinheiros (SP).

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A dupla masculina do Double Skiff Leve, William Giaretton e Xavi Vela, também eliminados na repescagem nesta terça, tem histórico semelhante: embora sejam atletas do mesmo clube, o União (RS), só começaram a remar como conjunto faltando meses para a Olimpíada.

? A vaga nesta Olimpíada é um presente que veio bastante cedo, pelo menos para mim. Vamos curtir esse presente, mas nossa meta é chegar a Tóquio-2020. Para nós, o ciclo olímpico começou agora ? afirma Vela, catalão que se naturalizou brasileiro em 2015.

Se Vela não era brasileiro no início do ciclo olímpico para a Rio-2016, Vanessa Cozzi sequer era remadora. Ela começou no esporte em 2012 por incentivo do marido, o remador Renan Castro. Começou a competir em 2013, mas teve de parar no ano seguinte porque engravidou de Larissa, sua filha de 1 ano e nove meses, que acompanha a mãe de perto nesta Olimpíada.

SOMBRA CARIOCA

O melhor resultado do remo brasileiro em Olimpíadas é a quarta colocação, alcançada três vezes. Duas delas, em 1924 e 1932, representavam então resultados espetaculares para o Brasil, que ainda engatinhava no esporte olímpico e só tinha medalhas no tiro esportivo. Resultado semelhante só apareceria novamente em Los Angeles-1984, quando o Dois Com remado por Valter Hime e Angelo Rosso, ambos atletas do Flamengo, ficou à beira do pódio.

O primeiro barco feminino do Brasil em uma Olimpíada foi o de Fabiana Beltrame, também do Flamengo, que competiu no Single Skiff em Atenas-2004 e se classificou ainda para Pequim-2008 e Londres-2012 ? esta última no Double Skiff Leve, ao lado de Luana Bartholo, sua então companheira de clube. Beltrame tinha índice para competir na Rio-2016 pelo Single Skiff, mas a Confederação Brasileira de Remo (CBR) bancou Fernanda e Vanessa, que tiveram resultado melhor no Pré-Olímpico.

? Nós sempre ouvimos muito o nome da Fabiana como uma pioneira, mas o fato de nós termos conquistado a vaga mostra que realmente há uma renovação em curso no esporte ? aponta Vanessa. Os recordes olímpicos quebrados no Rio-2016

Dos remadores brasileiros na Rio-2016, somente Fernanda é carioca. Trata-se de um fato significativo em um esporte que, além de ter o Rio historicamente como celeiro de atletas da seleção, é marcado por constantes quedas de braço entre a confederação brasileira e federações estaduais, especialmente a do Rio.

? Os clubes querem ganhar o Estadual de qualquer jeito e muitas vezes isso prejudica a seleção, porque os atletas não são liberados. No futebol esse problema fica mais diluído porque há um universo muito grande de bons jogadores, mas nós não temos tantos grandes remadores assim ? explica Edson Altino, presidente da CBR, que vê por outro lado uma melhora no equilíbrio de forças com a federação carioca ? Posso te garantir que o relacionamento hoje é o melhor das últimas décadas.

PRECONCEITOS ATRAPALHAM

A polarização do remo no Rio é vista como negativa pelos remadores da delegação brasileira, além de barreira para o surgimento de novos talentos em outros lugares:

? Aqui no Rio há uma concentração maior de grandes clubes, mas existe remo no restante do país também. Falta mais divulgação, senão fica tudo concentrado no Rio e os outros estados sucumbem ? avalia William Giaretton.

Fernanda Nunes lembra que outra dificuldade para o surgimento de remadores de alto nível no Brasil eram os critérios confusos para representar a seleção brasileira, problema que ela acredita estar resolvido atualmente. Há no caminho, porém, barreiras criadas pelo imaginário comum que impedem a popularização do esporte.

? Quando comecei, os critérios para entrar na seleção brasileira eram confusos, toda hora mudavam. Existe esse terror com o remo, de que precisa acordar 4h da manhã, e não é bem assim. Você também pode praticar o esporte por lazer, sem mudar totalmente sua rotina. Esse preconceito afasta possíveis adeptos, muita gente acaba se afastando do esporte ? explica Fernanda.

? A verdade é que a gente ainda precisa de mais gente praticando o esporte ? confirma William ? Mas existe hoje um processo de renovação nas categorias de base. Estamos aqui na Olimpíada para tentar levantar o esporte e inspirar outras pessoas, e isso acontece através de resultados.