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Em batalha contra o próprio corpo, Susana brilha na natação

Conteúdo de uma matéria só: quadro de medalhasNa união entre nadadores que só o revezamento permite, dois paratletas brasileiros tiveram ontem seus destinos entrelaçados para sempre. Clodoaldo Silva, 37 anos, expoente do movimento paralímpico nacional, reluta em se aposentar das piscinas ao fim dos Jogos e já voltou atrás uma vez. Susana Schnarndorf Ribeiro, 48 anos, portadora de uma rara doença degenerativa, trava uma batalha contra o próprio corpo para seguir em frente. A prata no revezamento 4x50m misto 20 pontos, ao lado de Daniel Dias e Joana Maria Silva, é mais do que uma medalha: é um símbolo de resistência.

Ao receber o diagnóstico em 2005 de que tinha Atrofia Múltipla de Sistemas (MSA, em inglês), Susana fez o que sabe melhor: correr contra o relógio. Dona de cinco títulos brasileiros no triatlo e 13 participações no Ironman, a ex-triatleta gaúcha precisava vencer a previsão que lhe dava de seis a oito anos de vida. Já vai para o 12º. O tempo passa e os efeitos da doença aumentam. A coordenação motora piorou e ela mudou de classe, da S6 para S5 (limitação físico-motora). Respira com mais dificuldade, mas não falta “gás” para fazer planos a longo prazo e lutar contra o impossível representado por uma doença sem cura.

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? A minha doença piorou e eu vivo um dia de cada vez. O corpo está parando. Mas digo que a doença escolheu a pessoa errada, porque eu não vou parar não. Esta medalha significa muito para mim e para todos que têm esta doença, que é muito difícil de conviver. Se eu puder dar esperança a alguém, já vale mais que uma medalha ? disse Susana, chorando.

HOMENAGEM AOS FILHOS

A água sempre esteve presente no espírito de Susana. A paixão pelo mar foi transferida pela sobrevivência na piscina. Inspirada pelos filhos Kaipo, Kaillani e Malia, que têm seus nomes tatuados no antebraço direito, a ex-triatleta, torcedora do Vasco, treinou seis horas por dia para disputar a Paralimpíada pela segunda vez. Esteve em Londres-2012 e é a única brasileira a competir em Jogos Pan-Americanos (Mar del Plata-1995) e Parapan (Guadalajara-2011):

? Foi para eles (os filhos) que eu nadei e vou continuar nadando até o fim.

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Continuar esbanjando vitalidade em meio à paralisação progressiva dos músculos tem sido uma agonia para ela, que pretende resistir até que a MSA atinja pulmões e corações. Quando este dia chegar, ela terá o conforto de que deixou inspiração, tanto nas palestras motivacionais que faz quanto nas piscinas, onde deseja ser seguida por pessoas com problemas semelhantes.

Paralimpíada MATÉRIAS PAPEL 10/09

Clodoaldo já vestiu essa touca de precursor. Abriu espaço para o surgimento de uma talentosa geração que inclui Daniel Dias, o mais bem sucedido paratleta nacional. Ao acender a pira paralímpica no Maracanã, continuou a iluminar a trilha de quem está por vir. Ele desistiu da aposentadoria para se despedir no Rio-2016. Com a medalha de ontem, tem 14, sendo seis de ouro, seis de prata e duas de bronze. A maior conquista, no entanto, é o seu legado nas piscinas. Inspirado nele, Phelipe Rodrigues foi prata ontem nos 50m livre S10. E o próprio Daniel, que tem 17 medalhas, sendo 11 de ouro, só pulou na água após ver Clodoaldo.

? Do jeito que nadei bem, dá até para imaginar que posso continuar. Quero poder acabar a Paralimpíada, porque não preciso dizer se vou parar agora. Vou tirar férias após os Jogos e cair nos braços da minha família ? disse Clodoaldo, lembrando do começo da carreira:

? No início, quando eu entrei na piscina, ninguém nem sabia que existia isso de Paralimpíada. Hoje, eu vejo o patamar que a natação alcançou e fico feliz de ter feito parte disso. Sei que já desisti da aposentadoria uma vez para minha filha, Anita, que tinha um ano, poder ver o pai.

NOVO RECORDE MUNDIAL

O Brasil caiu na água primeiro com Clodoaldo e liderou até pouco antes dos primeiros cem metros, quando Joana foi alcançada pelos chineses. Na passagem de Susana para Daniel, o multimedalhista não conseguiu tirar a diferença devido ao impressionante desempenho de Wenpan Huang (S3) no time chinês, que entrou com dois paratletas da S3 (maior limitação dos movimentos) um da S8 e outro da S6. O Brasil foi com todos da S5.

Os chineses estabeleceram novo recorde mundial, de 2m18s03, graças à disparada do pequeno submarino Wenpan, que atravessou enorme parte da piscina debaixo d?água. A marca anterior era do Brasil, com 2m29s80. A Ucrânia ficou em terceiro.