Cotidiano

Visto como o mais importante pintor britânico vivo, David Hockney inaugura retrospectiva em Londres

Hockney Woldgate Woods.jpgRIO ? O britânico David Hockney nunca foi muito de olhar para trás. Às vésperas de completar 80 anos, continua trabalhando incansavelmente e diz que prefere focar no que está por vir. Talvez por isso o público tenha esperado tanto tempo para ver a mais completa retrospectiva de um dos artistas mais populares e influentes do mundo ? uma aventura que tem como ponto de partida os anos 1960, quando ele ainda era um aluno prodígio do Royal College of Art, até uma série de desenhos recentes feitos no iPad. A exposição inaugurada ontem pela Tate Britain, em Londres, é uma explosão de cores em torno dos temas que fascinam o artista desde sempre: sua casa, seus caminhos, suas relações. Expostas de forma cronológica, as 250 peças sintetizam o olhar generoso de Hockney sobre o mundo e sua disposição para desafiar as formas de retratar a realidade.

A exposição, um sucesso antes mesmo da abertura, com a Tate batendo recorde de venda de ingressos antecipados, levou quatro anos para ser montada. Entre idas e vindas de Londres a Hollywood, onde Hockney vive, os curadores encontraram um artista alegre por rever sua obra, mas preocupado em não mergulhar na nostalgia. Ele desejava apenas uma mostra que deixasse o público feliz, fosse diante do prazer de ver algumas de suas telas mais icônicas ou do fascínio despertado por desenhos em movimento riscados num tablet. Pinturas, gravuras, fotografias e vídeos ocupam 13 salas que misturam, pela primeira vez, clássicos como ?A bigger splash? (1967) com quadros bem menos conhecidos do início da carreira de Hockney, além de obras inéditas, produzidas exclusivamente para a exposição, em cartaz até o fim de maio.

Hockney Portrait of David Hockney.jpgConstantemente apontado como o mais importante artista britânico vivo, Hockney é definido pelo curador Andrew Wilson como uma ?força da natureza?:

? Ele tem uma visão periférica do mundo, um olhar que está sempre em movimento ? afirma, chamando a atenção para a fase fotográfica do artista, nos anos 1980, quando criou montagens a partir de centenas de imagens feitas com uma Polaroid.

Nascido numa família de operários de Yorkshire, no Norte da Inglaterra, Hockney passou a vida retratando diferentes culturas e combinando estilos. O ponto de partida da exposição é sua experimentação com o abstracionismo, numa Londres que começava a ser sacudida pela revolução cultural dos anos 1960. Em sua primeira mostra, em 1963, já se colocava como observador, pintando cenas domésticas que continuaram a ser uma marca do pintor, um dos primeiros artistas ingleses a assumir publicamente sua homossexualidade. A mudança para Los Angeles, até então uma cidade que ninguém havia retratado e cujas cores eram o oposto da chuvosa Inglaterra, fez do jovem Hockney, com seus cabelos muito louros e óculos de aro redondo e grosso, uma lenda.Hockney Peter Getting Out of Nick's Pool.jpg

OBSESSÃO POR ÁGUA EM MOVIMENTO

Apaixonado pelos espaços abertos, a arquitetura de linhas retas e o clima de hedonismo da Costa Oeste, retratou corpos bronzeados à beira das piscinas de Santa Monica, pátios ensolarados, amigos em poses informais, porém representados com a seriedade dos retratos tradicionais. Entre os destaques da mostra em Londres estão as salas dedicadas a essa primeira fase californiana de Hockney, que inclui o ciclo das piscinas (ele é obcecado pelo desafio de representar a água em movimento) e os retratos duplos. Entre os personagens, estão os pais do artista e nomes importantes na vida social californiana da época, como o escritor Christopher Isherwood e seu parceiro, Don Bachardy, um dos primeiros casais abertamente gays de Hollywood, cujo retrato não era visto no Reino Unido há mais de 30 anos.

Hockney Garden with Blue Terrace 2015.jpg? Hockney tem uma extraordinária habilidade para captar a personalidade de lugares, pessoas e relacionamentos ? resume Chris Stephens, cocurador da mostra da Tate, que teve inúmeros encontros com o artista nos últimos anos e conta que ele, aos poucos, foi se encantando com a chance de juntar obras de períodos tão diversos.

Hockney começou a perder a audição ainda na década de 1970, e hoje só ouve com o auxílio de aparelhos. Já sofreu um derrame e é conhecido como um fumante incurável, mas nada parece impedir sua vontade de produzir. Em 2006, depois de também criar cenários para óperas, voltou para Yorkshire e fez várias séries tendo como foco principal a paisagem rural. São telas monumentais e instalações digitais que celebram a mudança bem marcada das estações, um contraste com a sempre iluminada Califórnia.

De volta a Hollywood Hills desde 2013, Hockney voltou a pintar sua casa, mas a piscina agora aparece cercada por uma varanda azul e flores. As telas mais recentes da retrospectiva, que depois de Londres passará por Paris e Nova York, são do ano passado. Na última sala, a tecnologia de tablets e smartphones é usada para animar desenhos em movimento, embora a linha que sempre uniu as diferentes fases de Hockney continue clara. Para comemorar a abertura de sua maior retrospectiva, ele redesenhou o logo do jornal ?The Sun?, o mais popular e conservador tabloide britânico. O desenho viralizou no Twitter e dividiu o público. O artista não aderiu ao debate, deixando as redes sociais se digladiarem em torno da relação entre arte e mídia.