Cotidiano

Um tenor entre Carlos Gomes e o ?Domingão do Faustão?

Subir ao palco do Municipal de São Paulo para encarnar o herói da ópera ?Fosca? remete Thiago Arancam ao seu espetacular início na cena lírica mundial. Foi defendendo a ária ?Intenditi con Dio… Ah, se tu sei fra gli angeli?, extraída da obra-prima de Antônio Carlos Gomes (1836-1896), que o tenor paulistano chegou ao segundo lugar da edição de 2008 do Operalia, concurso promovido pelo supertenor espanhol Plácido Domingo. Aos 26 anos, já ficava evidente o seu registro spinto, mais escuro, com vocação dramática, que passaria a frequentar alguns dos melhores teatros do mundo.

? Essa ária foi um cavalo de batalha meu em alguns dos concursos de canto de que participei. Tinha e tenho muito orgulho de poder levar a música de Carlos Gomes pelos teatros do mundo, já que não é sempre que ele é encenado ? conta o tenor de 34 anos, que também conquistou o prêmio de revelação no Concurso Bidu Sayão de 2004 com a partitura do compositor campineiro debaixo do braço.

Residente em Mônaco, devido à facilidade para se dedicar aos teatros europeus que o requisitam, Arancam tem ganhado cada vez mais motivos para voltar à terra natal. Além de debutar no papel do veneziano Paolo em ?Fosca?, na última quinta, ele iniciou um quadro de popularização de ópera no ?Domingão do Faustão?.

? Eu sempre fiz o que estava ao meu alcance para poder divulgar a ópera, e consegui avançar um projeto com o Fausto Silva. A partir do dia 25 de dezembro, a gente vai apresentar no programa dele um especial em que atores explicam o que eu vou cantar, e depois eu apresento árias como ?Nessun dorma? (da ?Turandot?, de Puccini) e o ?Libiamo?. Acho que é uma grande oportunidade de popularizar a ópera, que sempre foi um dos meus propósitos ? conta Arancam, que terá nessa empreitada a companhia de estrelas da Rede Globo, como Lázaro Ramos, Paolla Oliveira e Bruno Gagliasso. ? Ficou um negócio fino mesmo, de gala.

Não será a partir deste ano que Arancam oscilará entre os mundos erudito e popular. Em 2014, ele gravou o álbum ?Il mondo?, em que sua voz assumia uma encarnação mais gentil para cantar standards de sucesso, como ?My way? e ?El día que me quieras?.

? É sempre bom poder trazer um lado mais popular, senão o repertório fica sendo a mesma coisa, é muito chato ? conta ele, que estuda às vezes quatro meses para preparar papéis novos, como o Gustavo que gravou para o DVD de ?Um baile de máscaras?, em produção sueca.

?Otello? como meta

Regidas por Eduardo Strasser e cenicamente dirigidas pelo italiano Stefano Poda, as récitas de ?Fosca?, encenadas no Teatro Municipal de SP até o dia 17, comemoram uma dupla efeméride de Carlos Gomes: 180 anos de morte e 120 de nascimento. Além da oportunidade de conferir aquela que é conhecida como a melhor peça do compositor do ?Guarani? ? que contou com libreto do italiano Antonio Ghislanzoni, parceiro de Giuseppe Verdi em ?Aída? ?, é também uma chance de verificar o estágio de uma voz que ainda não parou de evoluir.

? É um prazer poder cantar a ?Fosca?: primeiro porque essa partitura valoriza muito a voz de tenor lírico-spinto: ela tem um recitativo bem dramático, e depois a música fica mais emocional, joga essa luz sobre a voz do tenor, uma música de muito apelo ? diz ele, que ainda sonha alcançar o papel de ?Otello?, de Verdi, no futuro.

? Quando conversei com Plácido para estrear em ?Turandot?, ele me contou que estreou no ?Otello?, que é o Everest dos tenores, com a minha idade. Ou seja, já dá, mas é preciso ter tanto a maturidade vocal quanto a psicológica que o papel exige. Esse equilíbrio que é necessário.