PHOENIX E ALEXANDRIA ? A campanha americana menos convencional dos últimos anos termina de forma ainda mais inusitada: disputa voto a voto entre Hillary Clinton e Donald Trump. Se há dez dias o clima era de ?já ganhou? para a democrata, agora analistas afirmam que tudo pode ocorrer na terça-feira, quando os Estados Unidos escolhem o sucessor de Barack Obama. O cenário inesperado mobiliza os dois lados. Republicanos e democratas correm para desempatar o jogo nos minutos finais.
Para recuperar o prejuízo com a reabertura das investigações pelo FBI (polícia federal americana) sobre uso de seu e-mail pessoal para assuntos de governo, Hillary investiu em grandes eventos com os principais líderes democratas, a começar por Obama, que amanhã fará o grande fechamento da campanha ao lado da candidata na Pensilvânia. Donald Trump, que desde as prévias do seu partido era desacreditado, chega aos últimos dias mais forte do que nunca e promete que estará ?paz e amor? para não espantar o eleitor mais receoso. Ambos correram o país nos últimos dias.
Um bom exemplo de que tudo pode acontecer é o estado do Arizona, visitado pelas campanhas democrata e republicana nesta reta final. Se nos clássicos filmes de faroeste era um local de intensa disputa entre os caubóis, na política recente vivia uma calmaria: o estado sempre elegia, com raríssimas exceções, presidentes republicanos. Até então. Seus 11 votos no Colégio Eleitoral podem ser fundamentais para que o vencedor obtenha os 270 necessários para chegar à Casa Branca.
Os democratas estão empenhados em conquistar o reduto conservador. Um grupo de sete amigos de Los Angeles (Califórnia) alugou uma van e encarou oito horas de viagem pelo deserto até Phoenix, no Arizona, para fazer política.
? A Califórnia sempre vota democrata, então antes íamos para locais como Colorado ou Nevada, onde a disputa era acirrada, fazer campanha. Mas neste ano há a chance real de o Arizona virar azul ? disse Reuben Zedeh, se referindo à cor do partido de Hillary Clinton, e feliz por ter batido em portas na cidade e feito panfletagem na parada do orgulho gay.
O Partido Republicano reage. Trump está neste domingo em Wisconsin, um estado democrata, e vai nos próximos dias a Minnesota, que desde 1972 não vota na legenda. Além disso, conta com voluntários. No Arizona, centenas lotam os centros do partido para participar de programas de ligação ou de ida às casas dos moradores para convencê-los a votar no candidato.
? Este ano vemos mais entusiasmo do que nos outros ? afirmou Benjamim Loven, coordenador de voluntariado do partido em Phoenix.
REJEIÇÃO RECORDE
Chad Heywood, diretor do Partido Republicano no Arizona, concorda:
? A ameaça de perder o estado para os democratas levou a população a pensar. Muitos conservadores agora refletem porque apoiam o partido, devem votar com mais convicção e isso tende a se espalhar. Essas pessoas tentam convencer parentes e vizinhos.
No entanto, apoiadores dos dois partidos pelo país se ressentem das feridas que ambos os candidatos causaram, devido à campanha com mais ataques pessoais, escândalos e baixarias na História recente dos EUA. A rejeição recorde dos dois e a grande apatia dos eleitores são sinal disso.
A falta de confiança em Hillary se propagou em antigos estados onde Obama ganhou nas últimas duas eleições, como a Virgínia:
? Vejo muitos dos meus amigos democratas como eu desinteressados em votar, pela disputa suja ? resume Rachel Clay, auxiliar administrativa de 63 anos, moradora de Alexandria, Virgínia, que votou antecipadamente na quinta-feira e faz parte de dois grupos fundamentais para a democrata: mulheres e negros. ? Mas agora, que eles sentem que há chances de Trump vencer, estão começando a pensar em votar.
No lado republicano, uma das maiores polêmicas de Trump com a própria legenda ocorreu justamente no Arizona, com John McCain, o herói de guerra, senador e ex-candidato presidencial, que abandonou sua campanha. Mas isso pode ter, incrivelmente, prejudicado o senador, e não o polêmico candidato.
? Não apoio mais McCain. Ele não pode ajudar a jogar o país no colo dos democratas ? afirmou Tom Lane, de 68 anos, veterano da Guerra do Vietnã, assim como o senador, e voluntário do partido. ? Tenho um vizinho que sempre foi muito fã do McCain, tinha um retrato dele na sala. Mas agora retirou a foto da parede ? disse o morador de Phoenix.
Além disso, a incerteza sobre a real participação dos eleitores em um país onde o voto não é obrigatório deixa o cenário aberto. Analistas chegam a imaginar que os candidatos poderiam empatar em números de delegados no Colégio Eleitoral ? o que jogaria a eleição para o Congresso, onde cada estado tem um voto ?, dando vantagem para Trump. Outros dizem ser possível a repetição da eleição de 2000 entre George W. Bush e Al Gore, com recontagem polêmica, além do vencedor do voto popular poder não levar o Colégio Eleitoral.
Nate Silver, fundador do FiveThirtyEight, vê Hillary com 65% de chances de vitória e Trump, com 35%, e considera o cenário nebuloso. ?Parte disso é porque há muito mais indecisos e eleitores de terceiros candidatos neste ano, o que pode levar a um balanço de última hora, ou um erro de voto, e torna o modelo mais cauteloso?, afirmou em seu artigo.