BRASÍLIA – O primeiro acordo de leniência com o governo federal, referente à empresa holandesa SBM Offshore, estava pronto e assinado pela Controladoria Geral da União (CGU) e pelo Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro, mas a turbulência política com a troca de presidente e com duas mudanças na CGU em poucos dias impediu a concretização do acordo que renderia um ressarcimento de R$ 1 bilhão aos cofres da Petrobras. A SBM, que atua na construção de plataformas de petróleo e mantém contratos com a estatal, é suspeita de participação num esquema de pagamento de propinas.
O procurador da República Rodrigo da Costa Lines disse ao GLOBO que já havia deixado assinada a participação do MPF no acordo, finalizado pela CGU hoje Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle (MTFC) e encaminhado à Advocacia Geral da União (AGU) poucos dias antes da aprovação do impeachment de Dilma Rousseff no Senado. A presidente foi afastada do cargo em 12 de maio. Dias antes, o então advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, recusou-se a assinar a leniência, que já contava com a assinatura do então ministro da CGU, Luiz Navarro Britto.
Agora, diante das sucessivas trocas de comando na Presidência da República, na extinta CGU e na AGU, o cenário é de incerteza sobre o destino do acordo, que seria o primeiro a ser concretizado dentre os 11 propostos ao governo federal por empresas investigadas na Operação Lava-Jato. O novo ministro do MTFC, Torquato Jardim, exonerou na segunda-feira o servidor responsável por conduzir as 11 propostas de leniência, entre elas a da SBM. Marcelo Pontes Vianna tem perfil técnico e perdeu o cargo de corregedor-adjunto da área de infraestrutura. O motivo, segundo fontes ouvidas pela reportagem, foi uma discordância em relação às novas diretrizes de Jardim para os acordos.
DELAÇÃO DE EMPRESAS
O MTFC divulgou nota na tarde de ontem para dizer que já substituiu Pontes por outro servidor de carreira da pasta, Antônio Vasconcellos. O ministério afirma que, por razão de sigilo imposto por lei, não comenta o destino do acordo entre governo e SBM. A AGU comandada agora por Fábio Medina Osório informou que “ainda está em processo de tratativas com as partes”.
A leniência para pessoas jurídicas equivale à delação para pessoas físicas. As empresas se comprometem a fornecer informações em processos administrativos abertos e a ressarcir o erário, em troca de se livrarem de punições como a declaração de inidoneidade, que levaria ao impedimento de novos contratos com o poder público.
O MPF participou “efetivamente” das negociações do acordo com a SBM, segundo o procurador Lines.
Esse acordo tem sido bastante conturbado. Aguardamos até terça-feira daquela semana (véspera da sessão do impeachment no Senado, iniciada na quarta, 11 de maio), e a ideia era que AGU assinasse e mandasse para o Rio. A AGU deveria ter designado um representante para ter acompanhado as discussões mais de perto. Eles praticamente não participaram da mesa de negociações disse o procurador.
Lines afirmou ser difícil a manutenção do acordo que já estava pronto:
Acho difícil que esse documento assinado seja mantido, até porque foi assinado num governo, com um ministro, e continuado em outro governo. Uma ação de improbidade para ressarcir esses valores não terminaria tão cedo. E esse mercado do qual participa a SBM é muito mais restritivo do que o que conta com as empreiteiras investigadas na Lava-Jato.
A última recusa do então advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, teria ocorrido na terça-feira, 10 de maio, véspera do início da votação no Senado, concluída na madrugada de quinta, 12 de maio. Dilma foi afastada do governo e o presidente interino Michel Temer já nomeou dois ministros da CGU, agora MTFC: o primeiro, Fabiano Silveira, foi demitido depois de aparecer nos grampos do delator Sérgio Machado, e o segundo, Torquato Jardim, vem enfrentando críticas dos servidores do órgão.
No fim de 2015, Dilma editou uma medida provisória que facilitava os acordos de leniência, com o afrouxamento de regras e a exclusão de órgãos de controle como o Tribunal de Contas da União (TCU) de todas as etapas das tratativas. A MP caducou. O MTFC discute novas medidas para leniência.