Cotidiano

Trilha sonora de 'Velho Chico' vai render três discos

Links Velho ChicoRIO ? Pelo menos pela música, ?Velho Chico?, novela das 21h da Globo, merece a atenção dos que ainda não foram seduzidos pela teledramaturgia. Poucas vezes se terá investido tanto dinheiro, trabalho e, sobretudo, talento, como na trilha que se ouve nessa história inspirada no Rio São Francisco. Além das canções que novela nenhuma dispensa, há temas incidentais por grupo de câmara ou por orquestra sinfônica. Os responsáveis por tal requinte são: pela seleção das canções, o diretor Luiz Fernando Carvalho, e pela música original, Tim Rescala.

As canções foram selecionadas a partir do roteiro de Benedito Ruy Barbosa. Como a ação se passa principalmente numa fictícia cidade às margens do rio, são vozes nordestinas que prevalecem no cancioneiro que segue as três fases da trama. Só que num processo de seleção diferente do usado em antigas novelas, quando a possibilidade de sucesso, os pedidos de favor e a pressão das gravadoras determinavam o que entraria na trilha e, depois, no disco. Era isso, e não qualquer tipo de adequação, o que ditava as regras.

? Não sei muito sobre o processo antigo ? esclarece Tim Rescala. ? Mas, trabalhando com o Luiz Fernando há mais de dez anos, posso garantir que nas novelas que dirige, ele não abre mão de escolher as canções. O que realmente é feito pensando em como cada uma se ajusta ao enredo e aos personagens. Um exemplo é a que abre a novela, ?Tropicália?.

SOM MEDIEVAL É INCORPORADO

Luiz Fernando Carvalho justifica a escolha:

? ?Tropicália? contextualiza as relações anacrônicas e contraditórias do campo social no interior do país, mas também suas riquezas, seu abandono, seu bangue-bangue.

O diretor, que diz ouvir, estudar e colecionar música ??24 horas por dia?, explica seu método, que parte da associação da música com os personagens, entrando cada canção como ?uma voz que precisa ser ouvida?.

? Procurei uma harmonia sensorial, emocional, mas também crítica em relação ao contexto da novela ? diz ele. ? Sei que isso é muito delicado para a linguagem da TV, mas em alguns momentos é possível ouvir as letras de certas canções contracenando com os diálogos dos personagens. Faixa a faixa, a trilha sonora de ‘Velho Chico’

O diretor lembra que música instrumental em seus trabalhos começou a ser adotada nas minisséries ?Capitu? (2008) e ?Afinal, o que querem as mulheres?? (2010), e que foi estendida às novelas em ?Meu pedacinho de chão? (2014).

O primeiro dos dois CDs com as canções de ?Velho Chico? está chegando às lojas. O segundo ainda não tem data para sair. Mais importante: um terceiro, com a música sinfônica, já está em fábrica. Reúne 27 dos mais de 40 comentários escritos e regidos por Tim Rescala, à frente da Orquestra Sinfônica Heliópolis, de São Paulo.

Para quem gosta da música dos filmes (grandes orquestras ajudando diretores, roteiristas e mesmo atores a dar seu recado), o terceiro CD é mais do que um bônus. Tim Rescala, um dos fundadores da Associação de Compositores de Música para Audiovisual, lamenta a inexistência no cinema brasileiro de uma cultura como a que há nos Estados Unidos e na Europa, onde nada se poupa na hora de se pensar na música dos filmes. No Brasil, a televisão, em novelas como ?Velho Chico?, é que vem ocupando esse espaço.

Também aqui métodos antigos, como o de se recorrer a discos já gravados (geralmente de trilhas americanas) como música de fundo, estão definitivamente superados. Faz tempo que já se produzem temas originais nas telenovelas, ao menos nas da Globo.

? Compor para televisão implica em dificuldade que não existe em compor para o cinema ? reconhece Rescala. ? No cinema, a música é escrita depois da cena filmada. Na TV, escrevemos para cenas que ainda vão ser gravadas.

Para evitar os momentos em que a música cantada não deve ser ouvida sob os diálogos, Rescala criou os temas executados por grupo de câmara ? quarteto de cordas, mais viola, viola caipira, sanfona, celeste. E até uma viela de roda, instrumento medieval do qual só existem cinco ou seis no Brasil. Com ele se obtém a sonoridade associada ao passado armorial do Nordeste. Enquanto a música sinfônica foi gravada toda de uma vez, na sala de ensaios da Heliópolis, a de câmara foi produzida com cada solista tocando em separado.

TEMAS PARA CADA CONTEXTO

As partes para orquestra sinfônica foram escritas visando aos diferentes contextos. Um deles diz respeito às várias fases do rio, principal ?personagem? da história (temas para suas águas, conforme estejam claras, cristalinas ou turvas). Outro agrupa os temas de amor ? de Santo (Domingos Montagner) e Maria Teresa (Camila Pitanga), de Bento (Irandhir Santos) e Beatriz (Dira Paes), por exemplo. Por fim, há a música que trata de climas e emoções: encantamento, felicidade e fartura, poder, desolação, esperança e luta, solidão e remorso. Com isso, Tim Rescala criou para a televisão uma perfeita trilha sonora… de cinema.