RIO – O presidente Michel Temer recebeu no domingo passado um
?apelo institucional? da presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen
Lúcia, para que transmitisse ao Poder Legislativo a solicitação de que não
discutisse, nem votasse, o projeto que torna crime o abuso de autoridade de
juízes e membros do Ministério Público, porque isso poderia gerar uma grave
crise entre os Poderes, com consequências imprevisíveis. Temer procurou no mesmo
dia o presidente do Senado, Renan Calheiros, que, no entanto, manteve-se
irredutível.
? O senador Renan Calheiros e alguns parlamentares, aos quais transmiti esse
apelo, apresentaram fortes argumentos para que a matéria não fosse retirada da
pauta. Eu tinha dito a eles que endossava totalmente as preocupações da
presidente Cármen Lúcia. Mas eles, em função de seus argumentos, mantiveram-se
irredutíveis ? disse o presidente ontem ao GLOBO.
PARA ‘NÃO CONSTRANGER’
Temer destacou que respeitou a decisão de Renan de ter prosseguido nas
tentativas para votar a matéria:
? Por temperamento, não tenho por hábito constranger
ninguém. Como presidente da República é imperioso que eu respeite as decisões e
a independência de outros Poderes. Aliás, essa também foi a preocupação da
ministra Cármen Lúcia ao fazer esse apelo. Sendo assim, tive a cautela de não
insistir no assunto.
O presidente relatou que naquele domingo, logo após a coletiva na qual
anunciou que vetaria qualquer proposta de anistia ao caixa 2, viajou para São
Paulo, a fim de participar de um evento da colônia libanesa no Palácio dos
Bandeirantes, sede do governo paulista. E foi lá que ele recebeu o telefonema da
presidente do Supremo.
? A ministra e eu somos amigos de longa data, e isso facilita também a nossa
relação institucional. E ela me ligou nestes termos: ?Olha, temos que salvar o
país, evitando essas crises?. Respondi-lhe: ?Concordo inteiramente?. Hoje, por
exemplo, com a colaboração do presidente da Câmara e do Senado, acho que
conseguimos conter a justa indignação popular contra o caixa 2.
Temer disse a Cármen que, no mesmo dia, voltaria a
Brasília e se reuniria com Renan e outros membros do Legislativo para transmitir
o apelo. Ele disse que chegou à casa de Renan às 23h, e lá estavam Eunício
Oliveira (PMDB-CE), José Sarney (PMDB-AP), Moreira Franco (PMDB-RJ) e Aécio
Neves (PSDB-MG), entre outros.
Alvo de 11 inquéritos e, desde quinta-feira, uma ação
penal, Renan Calheiros lidera uma cruzada pela aprovação de uma nova legislação
sobre ?abuso de autoridade?, que atingiria juízes e integrantes do Ministério
Público. Além de autor da proposta, apresentada em julho, Renan deu máxima
celeridade à votação do tema, indo contra, inclusive, a posição do primeiro
relator, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que defendia que a votação só
ocorresse ao fim da Lava-Jato. Alçado a líder do governo, Jucá deixou a
relatoria, entregue ao senador Roberto Requião (PMDB-PR), notório defensor das
medidas.
Apesar de ser autor da proposta que está no Senado,
Renan viu uma oportunidade na última semana de colocar em votação a versão
desfigurada das dez medidas contra a corrupção, aprovada na madrugada de
quarta-feira pela Câmara. Por meio de uma emenda, os deputados incluíram artigos
sobre o crime de ?abuso de autoridade? por parte de juízes e integrantes do MP.
Os integrantes da força-tarefa da Lava-Jato reagiram e disseram que, se a
proposta entrasse em vigor, haveria uma renúncia coletiva dos investigadores.
A grande preocupação, inclusive de advogados que
usualmente militam no campo oposto ao dos integrantes da força-tarefa, é com a
possibilidade de a proposta ser usada para coagir magistrados e procuradores,
uma vez que os supostos crimes de ?abuso de autoridade? são genéricos, como a
atuação ?de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro? e ?com motivação
político-partidária?.
Apesar das críticas, Renan se mobilizou na quarta-feira
para aprovar um requerimento de urgência que permitiria a análise imediata da
proposta vinda da Câmara. Diante da reação dura de senadores, e da mobilização
nas redes sociais, o requerimento acabou sendo rejeitado. Assim, a medida
aprovada pelos deputados vai tramitar normalmente nas comissões. Amanhã, no
entanto, o plenário do Senado já deve começar a analisar a proposta de Renan. Na
quinta-feira, em audiência no Senado, o juiz Sérgio Moro voltou a criticar a
votação da medida neste momento e pediu que, ao menos, coloque-se uma emenda
deixando claro que não pode ser considerado abuso a diferença de interpretação
da legislação.