BRASÍLIA – Destituída da Presidência da República por conta de um processo de impeachment e investigada pelo Ministério Público Federal (MPF) num inquérito civil público, a ex-presidente Dilma Rousseff enfrentará mais uma frente de acusação em razão das “pedaladas” fiscais, da edição de decretos de créditos suplementares e de outras supostas irregularidades. O Tribunal de Contas da União (TCU) julgará as contas de 2015 de Dilma em 5 de outubro, numa sessão em plenário na quarta-feira. A informação foi confirmada ao GLOBO pelo ministro relator das contas, José Múcio Monteiro.
Numa sessão em 15 de junho, o plenário do TCU deu 30 dias para Dilma explicar 23 indícios de irregularidades nas contas de 2015. Depois, por conta da dificuldade da então presidente afastada de ter acesso aos dados, o tribunal estendeu o prazo por mais 30 dias e, outra vez, por mais 15 dias. O prazo se encerra nesta quinta-feira.
A partir da defesa da ex-presidente, a área técnica do TCU elaborará um relatório final sobre as contas. A decisão sobre o que será levado a plenário é do ministro relator. Monteiro ainda não teve acesso às contestações de Dilma.
O trabalho do TCU na análise das contas presidenciais, uma previsão constitucional, foi decisivo para o impeachment da petista. Primeiro, o tribunal aprovou parecer pela rejeição das contas de 2014, basicamente em razão da manobra fiscal das “pedaladas” e da edição de decretos de créditos suplementares sem aval do Congresso Nacional. Depois, o Ministério Público junto ao TCU elaborou parecer em que diz que as mesmas práticas se repetiram em 2015. O parecer foi usado no pedido de impeachment que, após nove meses de tramitação, resultou no afastamento definitivo de Dilma.
Dentre os 23 indícios de irregularidades analisados no julgamento das contas de 2015, estão a repetição das “pedaladas” fiscais; a edição de decretos de créditos suplementares e de medidas provisórias autorizando gastos extras sem aval do Congresso; o próprio pagamento de “pedaladas” realizado nos últimos dias do ano; e novas operações de crédito consideradas irregulares pelo tribunal.
A repetição das “pedaladas” em 2015, com atrasos de pagamentos do Plano Safra no Banco do Brasil e do auxílio em juros de financiamentos do BNDES, e a edição de seis decretos de créditos suplementares sem aval do Congresso Nacional são algumas das irregularidades que deverão ser explicadas pela presidente afastada. Esta foi a base usada para o impeachment. O ministro relator entendeu que os atrasos em repasses aos dois bancos configuraram operação de crédito, o que é vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Outra irregularidade apontada foi o próprio pagamento das “pedaladas”, efetivado pelo governo da presidente Dilma nos últimos dias de 2015, na ordem de R$ 74 bilhões. Para os técnicos do TCU, gerou-se uma dívida para quitar outra.
Depois do parecer pela rejeição das contas de 2014, aprovado em outubro do ano passado no plenário do TCU, e do início do processo de impeachment na Câmara, em dezembro, o governo decidiu quitar as ?pedaladas? junto a bancos públicos e ao FGTS. O detalhamento desse pagamento foi feito pelo Ministério da Fazenda em 30 de dezembro de 2015. ?Pedaladas? anteriores a 2015 somavam R$ 53 bilhões, e os outros R$ 21 bilhões se referiam ao ano passado.
Para os técnicos que analisaram as contas de Dilma, os pagamentos foram irregulares. ?Ao invés de registrar as operações como quitação de dívida de operação de crédito, registraram-se os pagamentos dos passivos do Banco do Brasil, BNDES e FGTS como se fossem despesas com subvenções econômicas, o que acabou distorcendo as informações orçamentárias do exercício de 2015?, escreveram os auditores.
Também foi irregular, segundo eles, a ausência de registro na dívida pública, dos débitos referentes aos dois bancos e também ao FGTS. A omissão de passivos nas estatísticas de dívida pública inclui ainda a Caixa Econômica Federal, conforme o primeiro voto de José Múcio, apresentado na sessão em junho.
Os técnicos apontam uma operação de crédito supostamente irregular envolvendo o Banco da Amazônia, que tem a União como maior acionista. Conforme o relatório, o Tesouro se comprometeu a aumentar o capital do banco em R$ 982,1 milhões, com depósitos em dinheiro. Esse aporte teria ocorrido com títulos públicos.
O banco fez uma operação compromissada para vender os títulos, obter o dinheiro e recomprar os títulos em um dia. A interpretação dos auditores é que a instituição financeira acabou pegando um empréstimo para cobrir obrigação que era da União, o que é vedado na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Além do relatório técnico finalizado por 21 auditores, o Ministério Público junto ao TCU elaborou seu próprio parecer relacionado às contas de 2015 da presidente afastada. Cinco dos 23 indícios de problemas nas contas foram listados nesse parecer.
O documento aponta como ?grave irregularidade? a edição de quatro medidas provisórias em 2015 que criaram gastos extras de R$ 49,6 bilhões, sem levar em conta critérios de urgência, imprevisibilidade ou calamidade, necessários à proposição de MPs pelo presidente da República. Os créditos se destinaram a despesas como o pagamento do Fies e o próprio pagamento de “pedaladas”.
O governo de Michel Temer, ainda na interinidade, também editou MPs com essa finalidade, inclusive com o aval do TCU, que foi consultado previamente a respeito. Ministros do tribunal manifestam a intenção de retirar esses indícios do relatório sobre as contas de 2015 de Dilma. O TCU aprova apenas um parecer pela aprovação ou rejeição das contas. A palavra final é do Congresso Nacional. O Parlamento ainda não analisou as contas de 2014 da petista.