BRASÍLIA ? Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu ao advogado Fernando Augusto Fernandes o direito de obter acesso aos áudios de todos os julgamentos, secretos ou públicos, realizados pelo Superior Tribunal Militar (STM) na década de 1970, quando vigorava a ditadura militar. Ele quer o material para realizar uma pesquisa e resgatar parte importante da história do país. A decisão vale apenas para o caso específico. No entanto, abre caminho para que outros interessados obtenham, pela justiça, o direito de acessar esse tipo de informação.
? É preciso não perder de perspectiva que a Constituição não privilegia o sigilo, nem permite que esse se transforme em práxis governamental, sob pena de grave ofensa ao princípio democrático, pois, como adverte Norberto Bobbio, em lição magistral sobre o tema, não há nos modelos políticos que consagram a Democracia espaço possível reservado ao mistério disse a presidente do tribunal, Cármen Lúcia, durante a sessão desta quinta-feira.
O mais antigo integrante do tribunal, ministro Celso de Mello, concordou com a publicidade das informações.
? Não se pretende mais aceitar como legítima a democracia da ignorância, aquela na qual todos são iguais no desconhecimento do que se passa no exercício do poder usurpado. Não se pode impor óbice à busca da verdade e à busca da preservação da memória histórica em torno dos fatos do período em que o nosso país foi dominado pelo regime militar ? declarou o decano.
O advogado está tentando obter acesso aos arquivos desde 1997, quando pediu acesso aos arquivos ao STM. O pedido foi negado sob o argumento de que as gravações dos debates dos ministros e das sustentações orais dos advogados nas sessões não integravam os processos. Seriam arquivos de uso interno do STM, com acesso privativo.
Ele recorreu então ao STF. Em março de 2006, a Segunda Turma do STF tinha declarado que os julgamentos de todos os tribunais brasileiros, inclusive os do STM, são públicos, como determina a Constituição Federal. Portanto, Fernandes poderia ter acesso a todo o material referente a julgamentos – mesmo que, à época, a sessão tenha sido secreta.
No entanto, o STM só deu ao advogado o material referente às sessões públicas. Fernandes recorreu novamente ao STF e, nesta quinta-feira, a mais alta corte do país declarou que o STM desobedeceu a decisão de 2006 ao negar acesso aos advogados a todos os arquivos. No julgamento desta quinta-feira, Cármen Lúcia ponderou que o acesso às sessões judiciais é uma forma de exercer o direito fundamental à informação, contido na Constituição Federal.
? Quanto ao requisito de interesse público, este milita em favor da publicidade, e não da manutenção de segredos e silêncios ? disse a presidente.
? O direito à informação, a busca pelo conhecimento da verdade, sobre a sua história, sobre os fatos ocorridos em período avassalador do sentimento nacional e do espírito democrático que exsurgia, bem como sobre suas razões, integra o patrimônio jurídico de todo e qualquer cidadão, constituindo dever do Estado assegurar meios para o seu exercício.
No julgamento, os ministros se indignaram com o descumprimento da decisão do STF por parte do STM. Eles consideraram a decisão do tribunal militar uma afronta à liberdade de informação. Para Ricardo Lewandowski, a atitude do STM é ?absolutamente inadequada?.
? Liberdade de informação é pressuposto da publicidade e da democracia. Somente o cidadão informado está em condições de formar um juízo próprio. A liberdade de falar e de escrever guarda nossas outras liberdades ? afirmou Luiz Fux.
? Já vai longe o tempo em que civis eram julgados por crimes perante a Justiça Militar em sessões secretas. Passados 30 anos da redemocratização, negar acesso a sessões não faz o menor sentido. A publicidade dos atos processuais prevista na Constituição o acesso dos interessados a sessões de julgamento do STM na época da ditadura, independentemente da sua classificação pretérita ? disse Luís Roberto Barroso
? Só pode ser construído um futuro melhor se nós conhecermos e revisitarmos o passado ? resumiu Rosa Weber.
Ironicamente, está marcada para esta quinta-feira à tarde a posse do novo presidente do STM, José Coêlho Ferreira. Embora todos os ministros do STF tenham sido convidados, o compromisso consta da agenda apenas de Edson Fachin.