RIO Dois dias após a participação de Marcelo Calero no programa “Preto no branco”, da TV Brasil, quando o ministro da Cultura criticou o protesto feito pelo elenco do filme “Aquarius” em Cannes, Sônia Braga, protagonista do longa, publicou uma carta aberta de resposta em seu Facebook.
Nela, rebate a alegação de Calero de que o ato foi “um pouco totalitário, porque você quer pretender que aquela sua visão específica realmente cobre a imagem de um país inteiro”.
“Como pode um Ministro dizer que um ato democrático como o nosso é a representação de um País inteiro?”, indaga Sônia. “Isso é desconhecimento do que significa plena democracia. Se estivéssemos falando em nome de todos não precisaríamos, evidentemente, fazer o ato. Uma coisa é certa: estamos juntos”.
E continua: “o Ministro da Cultura ofendendo artistas é inadmissível. O senhor está nesse cargo para dialogar, para nos ajudar, para fazer a ponte com quem nos explora”.
A atriz abre o texto lembrando da diferença de idade entre os dois Calero tem 33 anos, enquanto Sônia completa 66 nesta quarta-feira, 50 deles dedicados à profissão. “Na época da Abertura, os artistas não tinham sequer uma lei que regulasse a profissão. Essa lei foi promulgada em 1978, depois de muita luta, da qual tive a honra de participar. Naquela época, acredito, o senhor Marcelo ainda não havia nascido. Por isso, não deve ainda ter tido tempo de aprender sobre os nossos problemas e os nossos direitos”.
Por fim, Sônia lembra que “Aquarius”, longa dirigido por Kleber Mendonça Filho, foi um sucesso de crítica no 69º Festival de Cannes: “A propósito, as críticas para Aquarius foram fabulosas. Quatro estrelas em jornais franceses, italianos, poloneses, russos e três citações no The New York Times. Ponto grande para a imagem da cultura brasileira no exterior”. E encerra o texto com um recado: “senhor ministro, não podemos perder as nossas conquistas. Sobretudo a mais importante delas, o respeito”.
Em sua participação no programa “Preto no branco”, Calero, que ocupa o cargo de ministro da Cultura há algumas semanas, fez duras críticas a artistas brasileiros que se manifestaram no exterior para acusar de golpe o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. O ministro também criticou a gestão de seu antecessor, Juca Ferreira, em relação à Lei Rouanet, e disse que estuda fazer ajustes nesse mecanismo. Sobre o protesto feito pelo cineasta Kleber Mendonça Filho e os artistas do filme Aquarius na última edição do festival de Cannes, ele disse:
Eu acho muito ruim. Como qualquer manifestação, tem que ser respeitada, isso está fora de questionamento. Agora, acho ruim, em nome de um posicionamento político pessoal, causar prejuízos à reputação e à imagem do Brasil.
Após um aparte de Moreno, ele prosseguiu:
Estão comprometendo (a imagem do país) em nome de uma tese política, e isso é ruim. Eu acho até um pouco totalitário, porque você quer pretender que aquela sua visão específica realmente cobre a imagem de um país inteiro. Eu acho que a democracia precisa ser respeitada e acho que é um desrespeito falar em golpe de Estado com aqueles que viveram o golpe realmente, o de 64. Pessoas morreram. E as pessoas esquecem isso. Então eu acho de uma irresponsabilidade quase infantil…
Leia a carta de Sônia Braga na íntegra:
A FOTO É A MESMA O RECADO É NOVO:
Aula de História para o senhor Marcelo Calero, 33 anos de idade.
Eu, só de profissão, tenho 50.
Na época da Abertura, os artistas não tinham sequer uma lei que regulasse a profissão. Essa lei foi promulgada em 1978, depois de muita luta, da qual tive a honra de participar.
Naquela época, acredito, o senhor Marcelo ainda não havia nascido. Por isso, não deve ainda ter tido tempo de aprender sobre os nossos problemas e os nossos direitos.
E pouco se importou, ou não notou, que uma atriz brasileira era campeã de bilheteria do cinema brasileiro e sustentou este título por 30 anos – também ganhando, com filmes brasileiros, além de projeção internacional, muitos prêmios no exterior, promovendo assim o nome de Brasil e de nossa cultura.
Como pode um Ministro dizer que um ato democrático como o nosso é a representação de um País inteiro?
Isso é desconhecimento do que significa plena democracia. Se estivéssemos falando em nome de todos não precisaríamos, evidentemente, fazer o ato.
Uma coisa é certa: estamos juntos.
O Ministro da Cultura ofendendo artistas é inadmissível. O senhor está nesse cargo para dialogar, para nos ajudar, para fazer a ponte com quem nos explora.
A propósito, as críticas para Aquarius foram fabulosas. Quatro estrelas em jornais franceses, italianos, poloneses, russos e três citações no The New York Times. Ponto grande para a imagem da cultura brasileira no exterior.
Senhor Ministro, não podemos perder as nossas conquistas. Sobretudo a mais importante delas, o respeito.