BERLIM – O filósofo e historiador holandês Luuk van Middelaar prevê que 2017 poderá trazer mudanças dramáticas para a Europa. Vitórias de Geert Wilders, na Holanda (no próximo dia 15), e de Marine Le Pen, na França (em maio), poderiam levar a uma saída dos dois países da zona do euro e da União Europeia (UE), um provável fim do bloco e uma volta aos Estados nacionais. Mas Middelaar ? cujo último livro, ?Europa em transição?, será em breve publicado no Brasil pela editora Realizações ? aponta que a crise também é culpa da UE pelo descuido para com as populações mais pobres, ?perdedoras da globalização?, que agora ?se rebelam?. Disso tiram proveito políticos como Wilders e Le Pen, conta.
Há perigo real de dissolução da UE?
Há atualmente um alto grau de tensão porque o que está para acontecer ou o que pode acontecer é algo muito maior do que o Brexit. A saída do Reino Unido, ou até uma possível saída da Holanda, teve ou terá o efeito de uma amputação, algo doloroso, mas que deixa a chance de sobrevivência. Já uma saída da França seria fatal. Seria rodar para trás a roda da História. populismo
O que seria a volta dos Estados nacionais?
Os Estados nacionais nunca deixaram de existir. Este foi um dos graves erros praticados pelos políticos que lideraram o bloco no passado: lutar pela meta da criação dos Estados Unidos da Europa, o que não era possível nem nos melhores tempos de UE, porque sempre foi contra a vontade da maioria da população de seus países integrantes, que não queriam de forma alguma renunciar às suas identidades nacionais.
O ex-chanceler federal alemão Helmut Kohl, um dos pais da UE e do euro, tinha o objetivo de que nunca mais ocorressem guerras na Europa. Com uma provável dissolução da UE, este perigo aumentaria?
Certamente o perigo de guerra aumentaria. Mas eu prefiro não tocar no assunto de forma especulativa. Os Estados nacionais nunca deixariam de existir porque isso vai contra a vontade da população. Isso não tira, porém, a importância da UE. Um fim do bloco seria uma catástrofe para o continente, que perderia ainda mais em importância. Sem a UE, seremos a Europa dos países nanicos, pequenos demais em comparação com nações de grande população como a Índia ou a China. Quer dizer, só temos a perder se a UE não der certo.
A Holanda aceitou uma rainha estrangeira (a argentina Máxima), mas hoje está dominada pela xenofobia. Uma grande parte da população planeja votar em Wilders. Como foi possível a mudança tão radical de uma sociedade que tinha fama de tolerante?
É difícil compreender o que aconteceu. Acho que tudo começou há 15 anos, com o assassinato de Pim Fortuyn (político populista a favor da exclusão do Islã da sociedade holandesa). Vale lembrar que Fortuyn era uma ovelha em comparação com Wilders, que usa um tom agressivo. Mas houve também um outro aspecto, uma mudança demográfica nos últimos 15 ou 20 anos, com a forte imigração de países do Norte da África, da Turquia e do Oriente Médio. Houve um aumento grande da minoria de imigrantes em um período tão curto, o que não foi aceito pela população e acabou usado para fins de propaganda pelo oportunista Wilders.
Como o senhor explica o fenômeno Wilders?
É como os fenômenos Trump e Le Pen. Um político populista que tenta tirar proveito de problemas que existem na sociedade. Certamente expressa tendências que existem em parte da população. Mas com a sua retórica, piora essas tendências e aumenta o ódio de parte da população aos imigrantes. Mas ele não explica às pessoas que seus problemas não foram causados pelos imigrantes. Os chamados ?perdedores da globalização? são vítimas do descuido do governo e da UE em um mundo que mudou. Em quase todos os países da Europa central há uma situação semelhante: pessoas pobres em países ricos desamparadas pelos seus governos e pela UE, e agora se rebelam.
A crise dos refugiados ajudou a aumentar a popularidade de Wilders?
Ele ganhou ainda mais pontos, como todos os partidos da extrema-direita europeia. Mas também vejo nisto um erro próprio da UE, que deveria ter uma função de proteção de todas as camadas da sua população, entre elas os mais fracos e que perderam nos últimos anos. Essas pessoas não veem a vantagem da Europa sem fronteiras, uma liberdade que agrada às pessoas com formação universitária ou aos jovens bem-sucedidos, mas não às pessoas que vivem desempregadas há anos. E a UE deixou de encarar que a crise dos bancos, em 2008, foi mais do que uma crise passageira, pois trouxe problemas econômicos para muitos países que ainda não foram superados. Por fim, a UE fracassou com a sua política de refugiados, porque não conseguiu distribuí-los em cotas e nem transmitir que recebê-los era também uma questão de solidariedade, parte da identidade europeia. É uma questão bastante complexa que a extrema-direita tenta simplificar para tirar proveito da situação.
As pesquisas indicam que Wilders seria o mais votado. Isto significa que ele pode tornar-se o próximo primeiro-ministro?
Torcemos para que isso não aconteça. E, na verdade, mesmo o partido mais votado teria poucas chances de governar se for recusado por todos os demais partidos. Isso é possível por causa do sistema holandês. E o Partido Liberal-Democrata, do premier Mark Rutte, já avisou que não está disposto a apoiar Wilders. Será muito difícil a formação de um governo. Se Wilders conseguir, o resultado seria a saída da Holanda da UE. Nesse processo, o clima contra imigrantes pode piorar. Além disso, uma vitória de Wilders aumentaria ainda mais as chances de Le Pen na França e atrapalharia as chances de reeleição da chanceler Angela Merkel em setembro, na Alemanha. A crise europeia pode aumentar.