Cotidiano

Resposta de MC Leonardo a Artur Xexéo: 'O funk, por funkeiros'

“E se um mar de rosas vira um mar de sangue / Você pode ter certeza, vão botar a culpa no funk”, cantaram os MCs Cidinho e Doca, da Cidade de Deus. O que parecia remeter a um estereótipo retrógrado ganhou atualidade no artigo de Artur Xexéo, publicado em O GLOBO.

Ele associou o funk, suas letras, seus bailes e seus profissionais à barbárie cometida contra a adolescente de 16 anos em uma favela do Rio. Além de preconceituoso, o artigo despreza a inteligência do leitor, por ignorar a cultura do estupro em nossa sociedade.

É comum aos difamadores do funk a afirmação de que os MCs cantam somente em bailes com traficantes e usam letras machistas. Tem certeza que é só no funk?

A mesma redução da favela e dos bailes a espaços dominados pela violência e pela própria discriminação. A crítica ignora o cotidiano das pessoas que ali vivem e legitima a presença exclusivamente militar do Estado. O funk não é o criador da violência, como um espelho torto que produz imagens à revelia. O funk não inspira, mas canaliza a violência.

Não é à toa que a cultura do estupro é omitida no artigo, que não vê que a luta feminista se dá em diversos campos e formas. As MCs Carol, Tati Quebra Barraco, Valesca Popozuda e outras evidenciam seus desejos e se declaram as donas de seus corpos. Contra a cultura do estupro, somente uma cultura de direito das mulheres sobre seus corpos.

O preconceito e o machismo cegam diante do ódio ao funk e aos favelados. É, “os lírios não nascem da lei”, como disse o poeta Drummond. Mas o funk ser reconhecido por força de lei, de Marcelo Freixo, como manifestação cultural, ainda causa calafrios. A nossa sociedade desigual, machista e racista quer silenciar as favelas. Em vez disso, deveria apostar na visibilidade, no protagonismo e na linguagem do funk para dialogar com a juventude e construir uma cultura de direitos. O colunista pode achar desnecessário. Mas, “apanhei da polícia, apanhei da mídia”, agora não iremos para o tronco calados. Será reacionário? Talvez espelho? Ou, quem sabe, reflexo?

* MC Leonardo é ex-presidente da Apafunk

** Marielle Franco é socióloga