Vivian Weiand
Já estava na hora. Depois de cinco anos e sete meses mergulhada nas fraldas, vivendo a rotina dos filhos e acordando várias vezes durante a noite para atender choro de criança, meu marido e eu tomamos coragem de deixá-los com a avó e termos um final de semana exclusivamente para nós. Bom? Quase. A culpa, aquela coisa que fica para lá e para cá saltitando de um ombro para o outro faz dos bons momentos algo complicado de ser vivido. Você não a enxerga, não a prende numa caixinha preta, e quando ela quer, ela aparece, e seus sinais ficaram ainda mais evidentes no mesmo instante em que, na porta de casa, dei as costas para meus filhos.
– Para de frescura! – sentenciou o marido 100% com razão. – Já demos muito da gente para eles.
E eu daria mais um pouco não fosse pela mais absoluta necessidade de oxigenar o cérebro e dar mais atenção a um marido igualmente cansado de guerra que abriu espaço para a paternidade.
Passadas as primeiras horas, e depois de ligar três vezes para casa, receber dez fotos pelo Whatsapp e saber que tudo estava bem, lentamente a tensão começou a me abandonar. Existem prazeres na vida que mesmo pequenos e singelos a maternidade nos faz esquecer, como tomar um banho quente sem hora para terminar e não ter um filho chorando o shampoo nos olhos. Deixar a água cair nas costas sem um “manhêêêêꈔ longo e sofrido tem lá seu valor, gritaria que lembra que não temos tempo para usufruir de um banho quando dois filhos se tapeiam pelo mesmo brinquedo na porta do banheiro.
Os dribles que nós, mães, damos ao prazer fazem parte do cotidiano, por isso que sentir aquele vinho escorrendo pela garganta sabendo que ninguém iria chorar no meio da noite fez daquela garrafa uma preciosa relíquia, uma joia raríssima e cara que se usa apenas em casamentos muito chiques, aqueles que ocorrem passados longos espaços de tempo. Mesmo assim, o sabor do alimento só pode ser verdadeiramente sentido depois de digitada a senha do Wi-Fi do restaurante em nosso aparelho. Pronto, agora sim. O que tem de sobremesa? Porque se alguma coisa acontecer lá em casa eu terei como saber.
– Dá pra parar com essa neurose? – repete meu marido. – São apenas dois dias, pensa nos outros 2.048 que você já deu para eles.
Nada como estar casada com um contador, e nada como concluir uma janta, caminhar para o hotel sem pressa, ver televisão até as pálpebras não conseguirem mais se manter abertas, isso sem precisar socorrer o filho pendurado no lustre enquanto o outro salva o cachorro do ataque do Forte Apache.
Dois dias, e o cérebro ganhou o gás de férias de verão. Passear de mãos dadas na beira do mar de um outono – só conseguimos sair no mês de maio – é melhor do que ficar em casa e faz um bem danado à relação. Bem é verdade que os assuntos continuaram os mesmos – finanças, filhos, escola – mas trazer de volta a lembrança do que anos atrás nos uniu é mais do que voltar no tempo, é ver que as coisas evoluíram, que a vida mudou, mas tudo ao lado de quem escolhemos e por quem nos escolheu para compartilhar do bom e do ruim. A água gelada no pé se quer me perturbou, nem o vento sul foi páreo para interromper meu abraço, meu passeio, meu romance, este breve e passageiro que teve fim no momento em que senti meus joelhos no chão enquanto duas crianças subiam simultaneamente em minhas costas. A gritaria começou, o primeiro das centenas de outros dias que serão apenas deles, dos filhos, mas sei que meu marido e eu vamos conseguir sobreviver. E daqui a 1000, quem sabe 900 dias possamos mais uma vez sentir a água fria lambendo nossos pés, uma sutil recompensa por termos nos dedicado tanto naquilo que consideramos ser mais importante do que nós mesmos.