RIO ? O desafio científico de criar uma forma de vida complexa em laboratório está mais perto de ser alcançado. Um consórcio internacional que reúne centenas de pesquisadores anunciou a criação de cinco cromossomos sintéticos de uma espécie de levedura, a Saccharomyces cerevisiae, utilizada pelo homem há milênios para a produção do pão e da cerveja. A expectativa é que até o fim deste ano todos os 16 cromossomos do fungo tenham sido sintetizados.
O feito foi publicado na edição desta sexta-feira da revista ?Science?, em sete artigos que descrevem os avanços do Projeto Genoma da Levedura Sintética. O grupo havia construído o primeiro cromossomo em 2014, após sete anos de pesquisas, totalizando seis o número de cromossomos sintéticos já gerados. Além disso, os pesquisadores anunciaram a conclusão do design do genoma completo e a integração bem-sucedida dos cromossomos sintéticos a uma célula viva do fungo.
? Nosso consórcio demonstrou que a síntese e a alteração do código do genoma pode trabalhar na escala de milhões de bases de DNA, cobrindo mais de um quatro de todo o genoma da levedura ? disse Tom Ellis, que lidera as pesquisas no Departamento de Bioengenharia no Imperial College, de Londres. ? Mais importante, nós demonstramos extensivamente que as células da levedura contendo esses cromossomos sintéticos são saudáveis como uma levedura normal.
Essa espécie de levedura possui apenas 16 cromossomos únicos, com 12 milhões de pares de bases. Os humanos possuem 23 cromossomos únicos, com 3 bilhões de pares de bases, mas apesar dessas diferenças, a Saccharomyces cerevisiae compartilha cerca de 26% dos seus genes com os humanos. Em 2010, o geneticista americano Craig Venter criou em laboratório a primeira célula viva, de uma bactéria Mycoplasma mycoides. A levedura, porém, está prestes a se tornar a primeira forma de vida complexa a ser sintetizada, com estrutura celular eucarionte ? com o núcleo separado pela membrana nuclear ?, a mesma encontrada em plantas e animais.
? Estudar o genoma sintético da levedura pode nos ajudar a compreender em parte a complexidade do genoma humano ? disse Paul Freemont, codiretor do Centro para Biologia Sintética do Imperial College.
A Saccharomyces cerevisiae é um organismo utilizado pelo homem por mais de 5 mil anos para a produção de pão, cerveja e vinho. Mais recentemente, a levedura passou a ser usada na produção de biocombustíveis e pela indústria farmacêutica e de biotecnologia para a produção de antibióticos e enzimas. A esperança é que os cromossomos sintéticos possam otimizar a levadura para aumentar a produtividade ou até mesmo modificá-la, para novas funções.
ELIMINAÇÃO DO ?LIXO?
No projeto, os pesquisadores já comprovaram ser possível fazer alterações no DNA a ser sintetizado. Os cromossomos sintéticos são cerca de 8% menores que os naturais, pela remoção dos pares considerados sem utilidade e realocação de outros, para tornar o DNA instável e mais propenso a mutações.
? A plasticidade que estamos vendo quando fazemos grandes mudanças com pouca ou nenhuma penalidade ? disse Jef Boeke, um dos líderes das pesquisas na Universidade de Nova York. ? Isso sugere que podemos continuar a ser ainda mais ousados em nossos designs futuros e fazer mudanças mais dramáticas para explorar os limites do que pode ser feito com o genoma para que a levedura faça produtos mais úteis.
O próprio projeto possui uma alteração drástica. Além dos 16 cromossomos naturais da levedura, os cientistas projetaram um 17º projetado do zero, que também será integrado às células.
A estratégia para a construção do genoma sintético se baseia num plano de montagem hierárquico concebido exclusivamente para o projeto. Primeiro, são montados ?blocos de construção?, com cerca de 750 pares de bases, que são agregados em pedaços um pouco maiores, com cerca de 3 mil pares. Depois, esses pedaços são reunidos em segmentos com cerca de 10 mil pares que, depois, formam o cromossomo completo.
? Nós ainda não encontramos nenhuma barreira fundamental, então definitivamente estamos no caminho certo ? disse Boeke.