BRASÍLIA ? Há quase quatro meses em vigor, a resolução que proibiu a existência de processos ocultos no Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não foi cumprida. Em 25 de maio, quando o então presidente da corte, Ricardo Lewandowski, determinou que esses processos fossem registrados de forma menos sigilosa, contavam-se 194 processos ocultos. Hoje, 89 remanescem na mesma condição. Esses processos estão mantidos sob o mais alto grau de sigilo no Judiciário. Não é possível ao cidadão sequer verificar a existência da ação, porque ela não aparece no andamento processual do tribunal.
Na resolução Lewandowski estabeleceu que os processos ocultos passariam a ser sigilosos, um grau menor de segredo, em que aparece o número da ação e o relator que está conduzindo o caso. Eventualmente, também são divulgadas as iniciais do nome do investigado. No tribunal, a informação é de que os técnicos ainda não conseguiram modificar a tramitação dos processos por questões de logística, já que os dados teriam de ser transferidos manualmente por servidores de uma secretaria. No entanto, muitos gabinetes sequer fizeram o levantamento desses casos para solicitar a mudança na tramitação à secretaria incumbida da tarefa.
Ao deixar a presidência do STF, na última segunda-feira, Lewandowski publicou um balanço dos dois anos de gestão. O destaque era ?o fim da tramitação oculta de processos?, mesmo que a medida não tenha sido posta totalmente em prática. Defensor inconteste da publicidade de processos, o ministro Marco Aurélio Mello cobrou da nova presidente do STF, a ministra Cármen Lúcia, que a resolução vire realidade.
? O meu ponto de vista é único. Vinga na administração pública e judiciária a publicidade, até para os cidadãos em geral acompanharem o dia a dia dos trabalhos. Agora, quem tem que se pronunciar é a administração do tribunal, a ministra Cármen Lúcia, e ela tomar a medida cabível ? declarou, completando: ? Quando você cogita de algo oculto, o cidadão começa a imaginar coisa muito pior do que às vezes é. É prejudicial até para o acusado. O sigilo tem que estar previsto em lei. A regra é a publicidade.
Marco Aurélio acredita que a resistência de processos na condição de ocultos seja fruto da grande quantidade de ações no tribunal.
? Nós estamos com uma avalanche de processos. Eu acredito que seja pela sobrecarga de processos. E não pelo setor administrativo não ter dado simplesmente, por não concordar, cumprimento ao que foi deliberado pelo colegiado.
As informações acerca desses inquéritos ocultos são mantidas a sete chaves. Não se sabe, por exemplo, em quais gabinetes das ações remanescentes estão mantidas. Nem se os processos se referem à Operação Lava-Jato, como se especula. Antes da resolução, dos 194 processos ocultos, 121 estavam no gabinete do ministro Teori Zavascki, que é o relator dos processos sobre os desvios da Petrobras. Um desses casos já foi transformado em processo sigiloso. É o inquérito que investiga se os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff tentaram obstruir as investigações da Lava-Jato.
Em maio, Luís Roberto Barroso era relator de 12 processos ocultos; Edson Fachin tinha 11 casos desse tipo em seu gabinete; Cármen Lúcia tinha dez; Dias Toffoli, Luiz Fux e Marco Aurélio tinham nove cada; Rosa Weber e Celso de Mello tinham cinco cada; Gilmar Mendes era relator de três processos ocultos. Lewandowski, por ser presidente do tribunal na época, não era relator de nenhum procedimento oculto.
A praxe é a Procuradoria-Geral da República enviar os processos para o tribunal com esse grau de sigilo, quando considera necessário. Desde que a resolução foi baixada, isso não aconteceu mais. A exceção, admitida pela resolução, é que que continuem ocultos pedidos de prisão, busca e apreensão, quebra de sigilo telefônico, fiscal e telemático, para não prejudicar as investigações.
Desde a edição da norma, não é mais possível uma ação tramitar de forma oculta. Mas outras medidas foram tomadas para evitar a identificação das partes. Agora, muitos processos novos em segredo de justiça sequer apresentam as iniciais do investigado. No campo, aparece apenas o termo ?sob sigilo?. Isso porque, apenas pelas iniciais, é possível saber quem está sendo investigado em alguns casos. A sigla LILDS, presente em alguns processos mais antigos, é, por exemplo, de Luiz Inácio Lula da Silva. FACDM, por sua vez, se refere a Fernando Affonso Collor de Mello.
Marco Aurélio critica não apenas a existência de processos ocultos no tribunal, mas também de qualquer tipo de sigilo. A exceção seriam casos previstos em lei, como dados sigilosos bancários ou fiscais, que não podem ser tornados públicos pelo Judiciário, em respeito à privacidade do investigado.
? Eu sempre fui contra o lançamento, por exemplo, em vez do nome inteiro, só das iniciais. Vinga no processo em geral a publicidade. Quando você tem dados cobertos pelo sigilo, você determina que esses dados sejam envelopados, para que haja o acesso só pelo juiz, pelo Ministério Público e pelo próprio réu. Mas isso quando a lei impõe sigilo. Por exemplo: eu quebro sigilo de dados bancários, dados fiscais, eu não posso torná-los públicos. Então eu mando envelopar. Agora, processo oculto não se coaduna com os ares democráticos da Constituição de 1988 ? afirmou.