Cotidiano

Prefeitura de Niterói gasta quase R$ 1 milhão com indicações políticas

Levantamento feito pelo GLOBO-Niterói com base na folha de pagamento da prefeitura mostra o custo das nomeações políticas em 1.514 cargos comissionados: em março, 331 filiados de 21 partidos receberam salários que somam R$ 974.400. A prefeitura alega que as nomeações se baseiam em critérios técnicos, mas especialistas veem traços de fisiologismo na lógica adotada.

O levantamento cruzou informações da folha de março, a última disponível no Portal da Transparência da prefeitura, com as listas de filiados de 28 partidos em Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Maricá, descartando todos os casos de possíveis homônimos. O número de indicações políticas possivelmente está abaixo do real, uma vez que a prefeitura não divulga a folha de fundações, autarquias e empresas públicas. Também pesa o fato de nem todos os indicados pelos partidos serem filiados a eles.

Mesmo após o prefeito Rodrigo Neves ter mudado de partido, para o PV, o PT permaneceu como grande beneficiado das nomeações: em março, havia 125 petistas no governo; o PDT tinha 33 nomeados; e o PMDB, 23. Entre as secretarias, é a Executiva que concentra boa parte das indicações: 90 ao todo. Depois vem a de Governo, com 43. Dos 40 órgãos que têm cargos de confiança, apenas dois ? Ordem Pública e Defesa Civil ? não contavam com filiados em seus quadros.

Para o cientista político Claudio Gurgel, professor de Administração Pública da UFF, os números levantados pelo GLOBO-Niterói indicam uma prática fisiológica:

? As nomeações deveriam atender a critérios técnicos e programáticos, mas a política tem sido rebaixada no Brasil. Esse número de nomeações provoca uma distorção, que tende ao fisiologismo.

Em nota, a prefeitura negou que as nomeações tenham caráter político. Diz que ?não faz qualquer distinção em relação à filiação político-partidária de seus colaboradores. Segundo a nota, ?o critério adotado (nas nomeações) leva sempre em consideração a capacidade técnica e o comprometimento de seus colaboradores?.

Em alguns casos é possível observar que, ao receber o comando de um órgão público, o partido também é autorizado a fazer as nomeações de grande parte dos cargos disponíveis. É o caso da Secretaria municipal de Participação Social, comandada pelo PT, que ficou com cinco dos sete cargos. Secretarias criadas no ano passado obedecem à mesma lógica: na Indústria Naval, o PP nomeou sete dos 16 cargos; e na do Idoso, o Solidariedade ficou com seis de 12.

Para o cientista político Ricardo Ismael, professor da PUC-Rio, a prática, conhecida como ?porteira fechada?, é nociva à boa gestão.

? É como se o partido fosse dono de uma secretaria. Um bom gestor traz as melhores pessoas para implantar uma determinada política pública, independentemente de filiação. Também deve dialogar com a sociedade. Essa prática vai contra tudo isso ? diz.

Ex-líder do governo na Câmara, o vereador Milton Cal (PP) nega que as nomeações atendam a critérios exclusivamente políticos. Ele destaca o caso da Secretaria de Indústria Naval, comandada por seu partido.

? O PP indicou o secretário Luiz Paulino, e, naturalmente, as pessoas que trabalham lá são ligadas ao partido, mas têm capacidade técnica para exercer suas funções ? avalia.

A oposição fez críticas ao número de indicações políticas. O vereador Paulo Eduardo Gomes, líder do PSOL na Câmara, afirma que a lógica observada nos cargos comissionados também se reproduz em outras formas de vínculo com a prefeitura, como os terceirizados e os contratados via Recibo de Pagamento Autônomo (RPA):

? Esses dados confirmam a tese de que o prefeito, com a máquina na mão, vai iniciar a corrida eleitoral com um conjunto de compromissos de natureza fisiológica que lhe garantem um pequeno exército nas ruas durante a campanha. Essas vagas são uma caixa-preta.

Também opositor do governo, Bruno Lessa (PSDB) destaca que, em sua opinião, os números deixam claro que a Secretaria Executiva tem sido usada como instrumento político pelo prefeito Rodrigo Neves. Ele ainda critica a mudança do prefeito para o PV.

? Os números demonstram que a saída dele do PT foi eleitoreira, porque o governo continua sendo, de maneira comprovada, petista. O prefeito tem desconforto com o PT, mas não tem desconforto de abrigar no governo mais de cem petistas? ? questiona.

O GLOBO-Niterói tentou contato com os vereadores e a direção do PT-Niterói, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.