Embora há quem faça loucuras em nome dele – “quero ficar sozinha!!" – a onipresença do silêncio pode se mostrar perturbadora. Ficar quieto escutando nada mais além de si mesmo pode gerar uma balbúrdia gigantesca dentro do cérebro que só se atenua quando liga uma televisão, abre uma janela, ou caminha até o banco da praça da esquina.
Originada do latim, “SILENTIUM” significa a 'ação de estar quieto', evitar barulhos ou ruídos’, e é por isso que o silêncio, o tão desejado silêncio, pode ser uma ilusão. Estar acompanhado de si mesmo não é para qualquer um. Para alguns, um paraíso, para outros uma maldição, e só depois de brigar muito para finalmente estarmos de posse do silêncio é que nos damos conta de como seu poder pode ser devastador. Sim porque até ele tem seus sons, suas trovoadas, suas fagulhas, e basta um riscar de fósforo para promover um estouro danado, um incêndio de proporções avassaladoras que queimam tudo por dentro e não é tão simples encontrar o que pode apagar essas chamas antes de elas consumirem uma pessoa por inteiro.
Vivemos em grupo, e talvez por isso não seja tão fácil para alguns estar em sua própria companhia, seus fantasmas, seus pensamentos, sombras que podem ser por demais inquietantes. Perguntas como “para onde foi todo mundo?”, “por que ele está me evitando?”, “o que foi que eu fiz?” reverberam pelas paredes de um quarto silencioso que se mostra mais barulhento que a ausência de ruído.
A esposa que se fecha em seu universo dá um sinal alarmante: poderá estar se preparando para dar uma guinada em sua vida? Viver ao lado de quem se cala acaba com a tranquilidade de qualquer um. Da mesma forma, o empregado que deixou de ser camarada anuncia problemas: semana que vem pode estar em outro emprego. O marido que chega em casa e mal dá boa noite é outro exemplo: o problema é no trabalho ou é voltar para casa? Essa é a questão: o silêncio, o tão famigerado silêncio pode ser a calmaria que precede os ventos, uma bomba relógio prestes a estourar a qualquer instante.
Embora muitos recorram a ele quando a comunicação se mostra ineficiente, seja por timidez, medo, revolta ou vergonha, calar o bico nem sempre é a melhor saída. A pessoa que se encerra em si mesma achando que assim pode ser notada prepara para si um copo de veneno. Apesar de muitas vezes ser o silêncio uma opção revestida da mais nobre intenção (não perturbar, não sobrecarregar), ele traz consigo um efeito rebote de dimensões ainda maiores, e esta é uma das razões de sua presença ser melhor avaliada. O silêncio tem dois lados. Ele polui, incomoda, entrevera. A empregada quer ser demitida e não sabe como pedir; o filho está mal na escola e não sabe como dizer, a mulher sobrecarregada que tem medo de pedir ajuda, ao se encarcerar em seu silêncio, não consegue impedir aquele grilo saltitante que pula silenciosamente de um lado para o outro lembrando a todo momento, que vem chuva por aí.
Falar com pessoas pode ser difícil porque nem sempre encontramos terreno fértil para construir a ponte do diálogo, ainda mais quando as chances de ele escorregar para uma briga feia se mostra o desfecho mais provável. Se a empregada não quer limpar os vidros porque tem medo de se estatelar do sexto andar, o melhor é falar porque a patroa não é adivinha. E a cara amarrada do marido que chega em casa pode ser estresse com o chefe, mas as agruras do casamento fazem com que esposa desconfie de que sua presença não se mostra mais desejável.
Pronto. Instalou-se a neurose.
Viver em grupo exige talento, e construir caminhos que reduzam nossa ansiedade, por meio do diálogo, exige uma dose de paciência e sabedoria que muitos de nós tropeçam ainda nos primeiros alicerces. Falar, dizer o que perturba, pode ser complicado, pode ser o começo do fim, mas servir de pasto para gafanhoto é o fim da picada, a mordedura lenta e progressiva que vai ceifando a alma e qualquer coisa que se planta sobre ela.
Tormentas são inevitáveis e os gafanhotos pulam e bordam antes disso. Mas tem coisa pior como a sensação de perda de vida, de qualidade de vida. O pula-pula só se extingue quando buscamos, do jeito que conseguimos, o caminho do entendimento, dia em que teremos a oportunidade de largar o fardo silencioso do abandono e da incompreensão que tanto pesa em nossos ombros.