WASHINGTON ? A proposta de construir um muro na fronteira com o México e o fato de ter chamado imigrantes de ?criminosos e estupradores?, entre outras coisas, fizeram com que a rejeição do virtual candidato republicano, Donald Trump, à Casa Branca fosse às alturas entre os latinos. Chegam a compará-lo ao diabo ou sequer gostam de citar seu nome. Os recentes protestos que ele enfrentou em estados como Califórnia e Novo México, que realizam suas primárias na terça-feira, deram provas de como ele é malquisto neste grupo. Mas alguns hispânicos seguem firmes no apoio ao magnata. Segundo as mais recentes pesquisas, cerca de 25% dos eleitores latinos dizem que vão votar no bilionário. Trump_0506
A questão que surge, agora, é saber se Trump será mais palatável ao grupo até as eleições de novembro. Ele tem se esforçado, ao seu modo, dizendo que ?ama os mexicanos?, e postou fotos comendo tacos no 5 de Maio, feriado mexicano e dia em que o país é mais comemorado nos EUA. E cresce o número de integrantes dos grupos de latinos nas redes sociais a favor do magnata. Alguns especialistas veem uma leve redução em sua rejeição. Juntamente com as mulheres ? que de forma contumaz também são ofendidas pelo candidato ?, os hispânicos são o principal entrave para que o republicano chegue à Casa Branca. Mas o que leva um latino a votar nele?
? Eu apoio Trump porque ele é um homem de negócios, não um politiqueiro profissional como Hillary Clinton. Talvez ele possa fazer algo diferente. Precisamos de alguém que traga soluções concretas e inovadoras ? afirmou o colombiano Julio César Rodriguez, de 34 anos, que vive em Washington.
Ele não se incomoda com o posicionamento de Trump sobre os imigrantes ? o republicano promete deportar do país os 11 milhões sem papéis:
? No fundo, o que ele quer é regulamentar a imigração, e isso pode ser bom para todos. Não podemos deixar que continue uma bagunça.
Carla López, de 44 anos, filha de hondurenhos e dona de um pequeno negócio no Arizona, afirma que sempre foi conservadora, contra ?valores dos democratas?, como apoio ao casamento gay e ao aborto. Por isso, seguirá com o magnata.
? Os imigrantes legais e que não fazem nada de errado não precisam se preocupar com nenhuma das propostas de Trump que tanto assustam os latinos. As pessoas entraram em um jogo da mídia. Se prestar atenção, não há anomalias.
Já Miguel, filho de mexicanos que vive em San Diego (Califórnia) e pediu para não divulgar seu sobrenome por medo de represálias ? ?toda a minha família odeia Trump? ?, quer protestar contra os democratas:
? Os democratas só nos procuram nas eleições. Eles se dizem nossos amigos, mas (Barack) Obama deportou mais imigrantes do que qualquer outro presidente. E, no fundo, acredito que Trump não fala sério quando diz que vai construir o muro.
Dulce Matuz, fundadora da ONG pró-direitos para imigrantes Arizona Dream Act Coalition, afirma que os três depoimentos ao GLOBO resumem bem a motivação dos latinos que seguem com Trump.
? Vemos muitos latinos que estão cansados dos políticos tradicionais, que gostariam de apoiar o democrata Bernie Sanders, mas que, sem sua opção, vão de Trump, o único não político que continua na disputa. Vemos também que há muitos desiludidos com os democratas. Obama prometeu uma reforma migratória em seus primeiros cem dias e não cumpriu. Parece que nunca fomos prioridade de verdade ? afirmou ela.
Por outro lado, Trump segue com frases preconceituosas: ele disse na quinta-feira que um dos juízes que ?o perseguia? por causa dos prejuízos que causou a diversos clientes da fracassada Universidade Trump não pode ser levado a sério por ele ter ?herança mexicana?. Ou seja, reforça sua rejeição.
Chris Zepeda-Millan, cientista político da Universidade de Berkeley, diz que é cedo para saber se 25% dos latinos, de fato, votarão em Trump. E, mesmo se isso for verdade, é um sinal ruim para o republicano:
? Temos que ver pelo outro lado: significa que de 80% a 70% dos latinos devem votar em Hillary. George W. Bush, o último republicano eleito, teve 44% dos votos entre os latinos. Os republicanos, com seu discurso anti-imigratório, estão cada vez mais fora do radar de voto dos latinos. Isso gera um problema futuro muito grande para o partido ? afirmou.
REFLEXO NO CONGRESSO
Ele lembra que apenas a confirmação de Trump como candidato ? ele já tem o número necessário de delegados para ser oficialmente nomeado na convenção de julho ? já cria problema para outros candidatos republicanos em estados com muitos latinos, como Novo México, Colorado, Nevada e Flórida, onde o voto dos latinos faz a diferença.
Independente da ideologia, contudo, o voto latino cresce em importância. Juliana Cabrales, diretora da Associação Nacional de Eleitores Latinos (Naleo, na sigla em inglês), afirma que as pesquisas mostram que os hispânicos são, cada vez mais, um grupo plural. Ela afirma que 13,1 milhões de latinos devem votar neste ano, ou 12% do esperado para as eleições de novembro, e o grupo tende a ser fundamental para quem quer chegar à Casa Branca.
? Este ano podemos ter um recorde de participação dos latinos. Isso não se refletirá apenas na eleição presidencial, mas também em outros cargos. E os latinos tendem a ser decisivos em alguns estados-pêndulo (que a cada eleição votam em um partido), como Flórida, Colorado, Nevada e Novo México ? disse. ? Acreditamos que vamos ter uma representação maior que os três senadores e os 29 deputados no Congresso.
Laird Bergad, professor do Lehman College da Universidade da Cidade de Nova York, acredita que apesar da participação histórica dos latinos em muitos locais, como no Texas, historicamente republicano, ou na Califórnia, feudo democrata há décadas, não haverá muita diferença no resultado final.
? Somente estes dois estados concentram 45% da população latina dos EUA ? disse.
A Califórnia, aliás, ?virou? democrata justamente após, em 1994, o governador republicano Pete Wilson ter proposto ? e aprovado ? uma lei que impedia o uso de serviços públicos, como saúde e educação, por imigrantes ilegais. De acordo com a ONG Humane Immigrant Rights, de Los Angeles, os republicanos representam apenas 16,5% dos eleitores latinos da Califórnia. Os latinos se uniram e muitos acreditam que Trump pode ajudar a fazer isso em todo o país.
Mesmo assim, os desafios de Trump com o grupo continuam. Ruth Guerra, chefe de relações com a mídia latino-americana do Comitê Nacional do Partido Republicano, pediu demissão em plena campanha eleitoral. Não é uma atitude comum. Lideranças políticas e artistas latinos seguem em campanha aberta contra Trump. Não será uma tarefa fácil. Mas o bilionário está, a cada dia, se especializando em quebrar tabus.