Cotidiano

Olivier Dubois propõe dança sobre poder e a solidão de um homem

10c4d414abdca5731fc703ac1ad1827e.JPGRIO ? Há cerca de um ano, o público carioca foi apresentado ao trabalho do coreógrafo francês Olivier Dubois em grande estilo. ?Tragédie?, uma de suas mais celebradas criações, arremessou no palco da Cidade das Artes 18 bailarinos completamente nus, que se moviam em possessão, num misto de violência e vitalidade. A obra, dançada conforme a estrutura de uma tragédia grega, causou boa impressão no público e no diretor da casa, Emilio Kalil, que convidou o coreógrafo para voltar. Há cerca de duas semanas no Rio, Dubois iniciou um processo de seleção na Arena Fernando Torres, em Madureira. Após o contato com diferentes dançarinos e não artistas da periferia carioca, escolheu 50 pessoas para subir ao palco da Grande Sala, onde ele apresentará neste sábado e no domingo um de seus mais recentes trabalhos, ?As memórias de um senhor?.

Ao contrário do que parece, não se trata de um ?show de amadores, ou uma obra criada por não dançarinos?, diz ele. Afinal, no centro do palco e do trabalho está a performance do bailarino Rémi Richaud, protagonista do que o coreógrafo define como um solo.

? É uma peça criada por 51 homens, mas trata-se de um solo ? diz ele. ? Um solo para um único dançarino, mas todos ao entorno dele desenvolvem papeis e funções de um modo profissional.

AMÁLGAMA DE GRANDES LÍDERES

Dubois faz questão de demarcar a diferença entre suas obras e criações que levam à cena pessoas comuns para agirem como se comportam no cotidiano.

? Não se trata de trazer ao palco pessoas que nunca pisaram num teatro, ou trabalhar com não dançarinos e dizer ?faça o que vocês quiserem?. Não, nada disso ? ressalta. ? Trabalho com eles do mesmo modo como faço com dançarinos, e dou a eles ferramentas para que possam executar as ações necessárias. Quero corpos inteiros, que mostrem suas sensibilidades, e do que são feitos. Acredito no teatro como esse espaço em que convidamos os outros a dividir um momento excepcional, para compartilhar uma visão.

E o olhar que Dubois busca partilhar é direcionado à figura solitária de um rei. ?As memórias de um senhor?, assim como outros trabalhos do diretor, não é localizado num espaço e num tempo específicos, e o protagonista funciona como um amálgama de grandes líderes de tempos diversos, como Calígula, Marco Aurélio, Alexandre, o Grande, Genghis Khan e outros. A intenção de Dubois é observar como o poder e a solidão se relacionam e atuam dentro e fora do corpo do rei.

? É a história de um homem, de um rei triunfante, de um deus, e por isso também a história de uma grande solidão ? explica o encenador. ? E é um trabalho que se desenvolve fora de um tempo específico ou cotidiano. O que eu proponho é uma perspectiva histórica, atemporal, que nos mostra que as situações e os acontecimentos na vida desse homem atravessam os tempos. Então o que temos são visões e imagens de reis, ditadores, deuses e líderes que se relacionam com povos e nações. E é por isso que precisamos de um grande elenco. De uma massa que corre na sua direção dele, contra, a favor, que o encara, o enfrenta, o segura e o aniquila. Assistimos a essas relações de amor e de raiva, sonhos e pesadelos, revoluções e insurreições que marcam os ciclos da vida.

A montagem é dividida em sete capítulos e estruturada por três eixos, ou termos: ?glória?, onde se observa a ascensão e o triunfo do rei-herói; ?queda?, quando o abuso do poder desencadeia a barbárie, o terror e o colapso de uma civilização dominada pela tirania; e por fim, claro, o ?adeus?. Glória, queda e despedida, seria a história da humanidade?

? É a visão de um homem, de um rei, mas com certeza é, também, a história da civilização, de alguma forma ? diz. ? Questiono as noções de poder, desejo, vontade, e investigo em que momento a realização, a liberdade e o paraíso de uma pessoa se torna o inferno e o fim do outro. É uma peça bem dark, sim, não é divertida, mas absolutamente intensa. É a beleza e o horror juntos, assim como na vida.

Serviço ? ?As memórias de um senhor?

Onde: Cidade das Artes ? Av. das Américas 5.300, Barra (3325-0102).

Quando: Hoje, às 21h; dom., às 18h.

Quanto: R$ 50.

Classificação: 14 anos.