Cotidiano

'O resgate lento do comércio', por Carlos Thadeu de Freitas

RIO – A atual crise da economia brasileira atingiu o comércio ainda no segundo semestre de 2014, a partir de quando o setor passou a registrar perdas trimestrais consecutivas no nível de atividade. As inconsistências nas políticas macroeconômicas praticadas a partir de 2013 foram responsáveis pelos resultados negativos do varejo: políticas intervencionistas nos preços de bens e serviços, bem como no preço do câmbio.

O ambiente de deterioração dos preços acelerou o movimento de alta nas taxas de juros e a recessão econômica, que se tornou um problema urgente a ser enfrentado. Esse quadro deflagrou a crise fiscal, constatada a insustentabilidade da trajetória do endividamento com déficits crescentes da dívida pública. A instabilidade na política e as incertezas geradas na economia foram devastadoras para o emprego, a renda, o crédito, e a confiança.

No intervalo dos dois últimos anos, o consumo das famílias apresentou o pior resultado da história do indicador: poder de compra da renda dos consumidores brasileiros se reduziu a patamares do segundo semestre de 2013. A taxa de desemprego média chegou a dois dígitos, cerca de 12% da população economicamente ativa. Somando a redução da renda à retração no crédito por dois anos seguidos, a demanda das famílias, que representa mais que 60% do PIB brasileiro, recuou fortemente.

A crise política e fiscal também derrubou os investimentos, e a confiança, tanto dos consumidores quanto dos empresários, chegou a patamares negativos recordes.

A Intenção de Consumo das Famílias (ICF), indicador mensal produzido pela CNC, teve o pior resultado em meados do ano passado, quando índice atingiu o nível mais baixo da série. A perspectiva para o consumo mergulhou fundo, indicando que os indivíduos ficaram mais cautelosos nas decisões de compras. Já o Índice de Confiança do Empresário do Comércio (ICEC) mostrou os impactos perversos da crise ainda em 2015, quando em dezembro daquele ano a confiança dos comerciantes chegou ao pior resultado. A avaliação negativa das condições da economia brasileira e a grande queda nas intenções de investimentos dos varejistas puxaram a confiança do setor do comércio para baixo.

Com as famílias muito alavancadas e com parcela significativa da renda comprometida com dívidas, como mostraram os relatórios mensais da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência das Famílias (PEIC), o varejo brasileiro foi sofrendo paulatinamente com os resultados ruins das vendas. De acordo com o IBGE, em 2016 o volume de vendas dos dez segmentos do comércio varejista teve a maior queda desde 2004, -8,7%. Ainda na primeira metade do ano a redução se intensificou, atingindo praticamente todos os segmentos do varejo considerados pelo Instituto.

A despeito da queda recorde no volume de vendas do varejo, da evolução negativa da atividade do comércio e da economia como um todo, a partir da segunda metade de 2016 alguns indicadores evoluíram de forma menos desfavoráveis. O fechamento de lojas do comércio, por exemplo, começou a mostrar desaceleração: de janeiro a junho de 2016, o varejo perdeu 67,6 mil pontos de venda e, no segundo semestre do mesmo ano, o número de lojas fechadas chegou a 41,1 mil.

Os indicadores de confiança, especialmente dos consumidores, mostraram-se mais favoráveis na segunda metade de 2016. Os comerciantes ajustaram suas expectativas à realidade das vendas, e já mostram, inclusive, ligeira intenção de contratação de funcionários. Enquanto isso, a PMC revelou que a quantidade vendida pelo comércio no último trimestre do ano caiu à taxa menor do que no terceiro trimestre. A desaceleração dos preços também aliviou os orçamentos, e a inflação deixa de ser a vilã da cena.

Pelo lado do crédito, a correlação positiva entre o desempenho do varejo e as taxas de juros reais faz com que as perspectivas sejam, de fato, mais favoráveis para o setor em 2017. Contudo, há espaço para melhorar inda mais o cenário para o comércio. A trajetória de queda da Selic juntamente com processo de redução da inflação promovem maior agilidade na recuperação do comércio. Porém, o ritmo de melhora das vendas e da atividade do setor dependerão da velocidade de desalavancagem das famílias e das empresas.

Esse processo ainda está lento, porque predominam relativamente elevadas as taxas de juros, e em razão da ausência de mecanismos ágeis de renegociação de dívidas entre os agentes ? consumidores e empresas com o setor bancário.

Esperamos relativa estabilidade para as vendas do comércio em 2017, de cujo ritmo poderá ser acelerado quanto maior a confiança na governabilidade, e quanto mais rápida a implementação das reformas necessárias.

(Carlos Thadeu de Freitas Gomes é chefe da divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo – CNC)