Cotidiano

Novos projetos celebram a potente obra de Tunga

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RIO ? Menos de dois meses após a morte de Tunga, ocorrida em 16 de junho, as homenagens a um dos mais potentes e originais artistas brasileiros começam a ganhar forma, assim como já se delineia o destino de seu legado. Nos dias 8 e 9 de setembro, o Instituto Inhotim, em Brumadinho, recria três de suas instaurações (nome que ele preferia ao genérico performance): ?True rouge? (1997), ?Make-up coincidence?, em que um casal nu maquia as esculturas de ?A prole do bebê? (2002), e ?Xifópagas capilares? (1984). No dia 15 de outubro, a Galeria André Millan, em São Paulo, inaugura uma exposição que vinha sendo preparada pelo artista, com cerca de 40 obras inéditas. E, já em setembro, Clara Gerchman, filha de Rubens Gerchman (1942-2008) e responsável pela criação, em 2010, do instituto que leva o nome do artista, começa a trabalhar no estúdio Agnut (Tunga ao contrário), o ateliê/empresa de Tunga, para catalogar e preservar as numerosas obras deixadas por ele (só no exterior, fruto de mostras realizadas em 2014 em Londres, Turim e Nova York, há cerca de cem obras). Ela foi convidada por Antônio Mourão, filho único e herdeiro do artista. Links Artes Visuais 28.8

? A Clara é minha amiga mais antiga, nossos pais moravam na mesma rua (a Estrada do Sorimã, ao pé da Pedra da Gávea), e ela adquiriu muito conhecimento e respeito nesse meio com a criação do Instituto Rubens Gerchman ? diz Antônio. ? A ideia de um instituto já vinha sendo trabalhada pelo meu pai, é algo bem real, mas neste momento não estamos preocupados com isso. Nosso foco agora é cumprir esses dois compromissos: a exposição em São Paulo, que já estava marcada, e a homenagem em Inhotim.

A exposição nos dois espaços da André Millan, em São Paulo, vinha sendo preparada por Tunga, grande amigo do galerista, antes de ficar doente.

? Temos muitas obras no ateliê ? diz Fernando Sant?Anna, durante 15 anos assistente do artista e diretor de produção do estúdio Agnut. ? Algumas não vou pôr na roda porque sinto que o Tunga não iria querer; e outras, porque sei que ele ainda ainda iria mexer nelas. O que o público vai ver é aquilo que temos certeza de que não iria mais modificar.

Sant’Anna vem tocando o estúdio junto com Mario Vitor Marques, responsável pela gestão administrativa. Os dois lideram uma equipe de dez funcionários, parte deles trabalhando no preparo das peças que serão mostradas ao público.

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Entre as obras que estarão na André Millan há 15 da série ?Morfológica?, esculturas que serão exibidas como PA (prova do artista), ainda não fundidas. São formas sensuais, muitas vezes eróticas, remetendo a vulvas, bocas e seios. Tunga as moldou primeiramente em cera, depois ganharam um tamanho um pouco maior, e finalmente começaram a ser testadas em grandes dimensões, mas a doença interrompeu o processo. Cada uma delas vai gerar depois uma série de três peças em bronze.

Outras 15 obras são da série ?Phanografos?, caixas de madeira que sustentam uma composição com frascos de vidro, quartzos e outros materiais. Uma chuva forte avariou algumas delas e agora estão sendo refeitas. Há uma peça histórica (?Vênus?, dos anos 1970), que não estará à venda, e uma enorme instalação escultórica, ?A seus pés? de 7,5m, também exibida como prova de artista. Integram ainda a exposição uma escultura da série ?Eixo exógeno? e a instalação ?Delivered in voice? (2015), vista apenas uma vez, quando o espaço foi aberto à visitação no festival Novas Frequências, em janeiro deste ano.

No ateliê de quatro andares e 700 metros quadrados na Barra da Tijuca, crânios, frascos de vidro, cordas, tecidos, quartzos, cerâmicas, pérolas, peças em silicone e muitos outros materiais e objetos amontoam-se em estantes, caixas e gavetas. Meteorito e tronco de árvore fossilizada também já passaram por lá, e hoje compõem obras. É um mundo alquímico, e, não à toa, Tunga o batizara, informalmente, de Laboratório Agnut.

? Ele gostava desse aspecto de ter algo aqui de cientista maluco ? diz Sant?Anna. ? A tendência, no próximo ano, é estar tudo arrumadinho. Se está uma zona é porque Tunga ainda está aqui ? diz ele, envolvido também na preparação da homenagem em Inhotim.

CELEBRAÇÃO E RECOMPENSA EM INHOTIM

A relação de Tunga com o instituto criado pelo empresário e colecionador Bernardo Paz é bem antiga. Paz comprou uma obra do artista, ?Deleite? (1999), antes de pensar em implementar o parque, que está completando dez anos. O pavilhão ?True Rouge?, de 2004, também antecede a inauguração. É nele que no dia 8, uma quarta-feira, às 19h, Lia Rodrigues conduzirá a ativação da instalação de mesmo nome, criada em 1997, com 750 litros de geleca vermelha que os participantes espalharão pelo corpo e pelo espaço, preenchendo os vasilhames de vidro da obra. No mesmo dia, mais cedo, haverá outra instauração na Galeria Psicoativa, a maior do instituto, inaugurada em 2012. Lá será realizada ?Xifópagas capilares? (1984), com gêmeas idênticas unidas pelo cabelo. Ela substitui ?Vanguarda viperina? (1985), cancelada depois que o comitê de ética do Instituto Vital Brazil, parceiro na criação original da obra, não chegou a um consenso sobre o empréstimo de cobras necessárias à sua realização. Na encenação de Tunga, as serpentes são sedadas para serem entrelaçadas, e se desvencilham umas das outras à medida que passa o efeito do tranquilizante.

Na mesma Galeria Psicoativa, mas já no dia seguinte, quinta-feira, o público poderá assistir a ?Make-up coincidence?, junto à obra ?A prole do bebê?. Para completar o tributo, o visitante receberá nos dois dias folhetos impressos com cinco narrativas imaginadas pelo artista, que serão lidas por monitores do parque.

? Vai ser o momento mais simbólico da homenagem ? diz a curadora de Inhotim, Marta Mestre. ? Estaremos lançando essas brochuras, que compilam narrativas criadas pelo Tunga, algumas com referências a trabalhos que temos aqui, como ?Lézart? e ?Nosferatu?. A palavra, o verbo, a poesia, eram componentes muito fortes no seu processo de trabalho. O Fernando (responsável pela seleção e adaptação dos textos para serem contados oralmente) diz que às vezes é muito difícil saber o que chega primeiro, se é a obra consolidada ou a narrativa.

Inhotim também vai aproveitar o grande número de amigos, admiradores e colecionadores que a homenagem deve atrair para lançar uma Associação de Amigos de Tunga. Isso foi feito no lançamento do pavilhão de Claudia Andujar. Mas, diferentemente da contrapartida no caso da fotógrafa ? cada apoiador ganhou um múltiplo da artista ? a ?recompensa? de Tunga será ver a Galeria Psicoativa ativada e viva, com instaurações, seminários e outras ações. Como ele desejava.