RIO – No dia 28 de maio, um sábado, moradores ilustres da Barra da Tijuca, empresários e políticos encabeçados pelo prefeito Eduardo Paes acordaram cedo para comemorar a entrega da duplicação do Elevado do Joá, obra de R$ 458 milhões que facilita o acesso à região, solucionando um gargalo histórico na entrada do bairro. Dez dias depois, o verniz da novidade saiu, com os primeiros buracos surgidos na pista. Para quem mora acima e abaixo do elevado, porém, o desgaste precoce da pista foi só o coroamento de um problema iniciado antes de o primeiro carro passar por ela.
Na parte de cima, moradores de condomínios na Joatinga reclamam da construção não é de hoje. Vários relatam rachaduras ou danos às suas casas após o início das explosões para a construção do novo túnel que liga a Barra a São Conrado. Enquanto isso, embaixo do elevado, ex-moradores da Praia dos Amores, obrigados a sair devido às obras, lamentam ter deixado suas casas. Um deles planeja a volta.
A construtora Odebrecht, responsável pelo novo Elevado do Joá, informa que, antes do início das obras, fez vistoria em 350 imóveis e que, ao longo do trabalho, os donos de 36 deles queixaram-se de danos, que foram integralmente reparados. Numa outra residência, porém, na Rua Jackson Figueiredo, há um impasse. O advogado Lucillo Bueno representa a família dona de um imóvel na via, avaliado em mais de R$ 18 milhões, e diz que ele sofreu danos em toda a sua extensão devido às explosões.
? Foi uma irresponsabilidade; usaram explosivos fortes demais ? avalia Bueno. ? Agora a Odebrecht quer pagar no máximo R$ 50 mil por danos que estão avaliados em mais de R$ 500 mil.
Um laudo obtido pelo GLOBO-Barra e encomendado pela própria Odebrecht à Lautec Equipe Técnica diz que ?provavelmente? o imóvel tem danos causados pelas explosões. O mais visível, na piscina, comprometeu ladrilhos elaborados pelo celebrado artista plástico pernambucano Francisco Brennand. De acordo com o documento, seriam 21 danos causados pelas explosões na casa, incluindo descolamento de revestimento; trincas em vidros; fissuras no chão, nas paredes e no teto; rachaduras nas paredes; e infiltrações.
De acordo com o documento, nenhum destes problemas foi constatado na vistoria inicial, também feita pela Lautec, em 27 de agosto de 2014, antes das explosões. ?As patologias apresentadas aqui não existiam na vistoria inicial e, provavelmente, foram causadas pelas vibrações das detonações nas obras do Elevado do Joá?, diz o segundo documento, datado de 12 de agosto de 2015. O laudo aponta, porém, que ?as vibrações verificadas no local e nas proximidades encontram-se abaixo dos limites preconizados em normas aplicáveis, não oferecendo risco aos ocupantes e à estrutura das residências?.
? Não dá para fazer obras porque não sabemos a extensão do problema. A piscina está claramente torta. Precisamos retirar tudo para ver se houve danos embaixo dela, e isso não se faz com serviços no valor de R$ 50 mil, como a Odebrecht pretendia fazer ? diz Bueno.
O advogado sustenta ainda que, devido aos danos à casa, houve também prejuízos indiretos: o contrato que os moradores tinham para receber executivos do Qatar no Rio durante a Olimpíada foi rescindido.
A Odebrecht diz que iniciou os reparos na casa da moradora da Jackson de Figueiredo em dezembro de 2015, com prazo de três meses para conclusão. Mas que, a pedido da proprietária, as obras foram interrompidas no mesmo mês. A construtora acrescenta estar disposta a retomar o trabalho, mas não é o que os donos do imóvel desejam.
? Pedimos para suspender o serviço devido à péssima qualidade das obras ? afirma Bueno. ? Um guarda-corpos refeito pelos técnicos, por exemplo, acabou deixando os pilares com distância irregular entre si.
Na mesma rua, a moradora Clicia Lutti lamenta a perda de raridades. Apreciadora de antiguidades, ela viu parte de sua coleção de copos de cristal se quebrar devido às explosões. Como tem nota dos objetos perdidos, adquiridos em leilão pelo valor de 8 mil libras, a Odebrecht concordou em ressarcir a perda, mas pediu para ficar com os cristais que sobraram. Ela não aceitou a proposta.
? Preferi ficar com o que sobrou a ter o dinheiro de volta, mas é uma pena ? diz Clicia.
Outros objetos da residência sofreram danos. Clicia se preocupa ainda com pequenas trincas surgidas nas paredes e nos pisos, surgidas, segundo ela, após o início das detonações.
Na Rua Professor Pantoja Leite, um outro morador, que não quis se identificar, reclama do fato de sua casa estar em obras há oito meses, para o conserto de uma infiltração causada pelas explosões.
Problemas afetam ruas diretamente
Foram cerca de dez meses de uma rotina estressante: duas vezes por dia, os vidros das casas na Rua Professor Pantoja Leite tremiam com o barulho das explosões. Moradora da rua, Ivana Klimovisz foi notando aos poucos os efeitos das detonações em sua casa:
? A minha garagem é em uma descida, num declínio. Com as explosões, comecei a notar que o chão cedeu, a pedra rachou e se criou um desnível muito grande.
Logo, conta ela, tornou-se impossível descer de frente com o carro na garagem. A traseira do veículo, elevada demais em consequência do declive, raspava no teto. Devido ao problema, identificado há mais de seis meses, Ivana chamou técnicos da Odebrecht:
? Chamei o pessoal aqui, eles viram o que aconteceu e ficaram de mandar alguém consertar. Na época, ainda estavam acontecendo as explosões.
De acordo com ela, ninguém chegou a aparecer. Com o fim das explosões, o posto montado pela construtora para prestar esclarecimentos aos moradores foi desativado.
? Esta casa foi erguida pelo meu pai, que é construtor civil. Tem uma estrutura firme; feita com uma quantidade enorme de concreto e ferro. Os tremores eram muito fortes, e esta parte da casa está claramente diferente do que era ? diz.
Alguns moradores, que pediram para não ser identificados, reclamam também de ter demorado a notar os danos em suas casas e procurado a Odebrecht solicitando o conserto, ouvindo da empresa que o prazo para tanto havia terminado.
Em nota, a construtora afirma que atendeu a todas as reclamações de moradores até oito meses após o fim das detonações nos túneis, concluídas em julho de 2015, e que os canais de comunicação com o Novo Joá, divulgados por meio de reuniões públicas e folhetos impressos, continuam ativos.
Para Manoel Lapa, coordenador da Câmara Especializada em Engenharia Civil do Crea-RJ, este tipo de danos a imóveis próximos de obras de grande porte pode ser evitado.
? Ele é razoavelmente comum, mas isso acontece por falta de estudos preliminares ? avalia ele. ? Um exemplo positivo é o metrô. Foram feitas vistorias e tomadas várias medidas protetoras preliminares. Agora, depois que há o dano, o certo é a construtora pagar. Ou então o caso vai para a Justiça, causando transtorno para moradores e empresa.
Na Praia dos Amores, hora da reconstrução
Enquanto na Joatinga os moradores vivem os transtornos deixados pelas obras do Novo Joá, na Praia dos Amores uma família se prepara para reconstruir o que foi perdido para que a duplicação se tornasse realidade. Devido às obras, três casas precisaram ser retiradas da região, uma antiga colônia de pescadores que se tornou um pequeno reduto de tranquilidade no início da Barra. Das três, apenas uma voltará: a que era habitada pelos filhos do engenheiro Antônio Sampaio.
? Dois dos meus filhos vieram morar comigo, na Barra, enquanto um outro se mudou para um apartamento pequeno. Já recebemos os cheques de indenização e estamos esperando o canteiro de obras ser limpo para reconstruirmos a casa ? diz Sampaio.
De acordo com ele, sua família vive na Praia dos Amores há mais de 50 anos. Quem construiu o imóvel foi seu pai, que o passou diretamente aos netos. Ele diz que o transtorno foi grande, mas reconhece que a obra beneficia a população:
? Não podemos olhar só para o nosso próprio umbigo. É claro que esta obra melhorou a mobilidade.
Para quem não vai voltar, porém, a perda do imóvel foi um forte golpe. José Menezes Filho teve que deixar seu imóvel em março de 2015. Agora, vive em uma casa em Vargem Pequena:
? Eu tenho 80 anos, e minha mulher, quase 90. Não existe indenização satisfatória para recompensar o que tínhamos. Morávamos em frente à praia, em uma região tranquila. A casa aqui é boa, mas não substitui a outra.
A indenização recebida por Menezes foi de R$ 710 mil. Para ele, porém, o grande problema foi não saber quando e quanto receberia até praticamente o dinheiro chegar.
? Perdemos vários negócios. Como podia procurar por casas se não sabia quanto teria?
O imóvel na Praia dos Amores era o único do casal:
? Se não fosse, eu teria tirado minha mulher e meus filhos de lá e ficado para lutar. Mas tinha medo de não receber indenização se fizesse isso. Depois que saí, nunca fui até lá para ver como ficou. É melhor, até para esquecer.