Uma visita na casa de Marina e já começo a me sentir pequena. A dentista de 32 anos não tem empregada, cuida sozinha dos filhos, da casa e do marido e ainda atende em consultório particular à tarde. Duas vezes por semana, às cinco da manhã, ela acorda para exercer a nobre tarefa de passar a roupa dos pequenos, lembrança que se quer exige a ajuda de um despertador. Marina é sempre a última pessoa a dormir e a primeira a acordar; serve o almoço de todos para depois fazer seu prato. É fácil concluir que também é a última a se vestir, e sempre depois de ajeitar mochilas e o vestuário de toda a família quando vai sair. A casa, sempre arrumada, não parece palco de diversões de duas crianças de três anos correndo por tudo quanto é lado riscando móveis e paredes. Na casa de Marina, o trabalho é constante. Ela é tão organizada que não esquece nem de servir cafezinho às visitas. Vendo-a fazer tudo o tempo todo já me deixa cansada. A resposta dela, porém, é surpreendente:
– Nasci para isso. Eu nasci para servir.
Aí já é demais. Nós, mulheres, queimamos na fogueira, queimamos os sutiãs e queimamos os neurônios para construir carreiras e minha amiga diz que nasceu para servir? O mais perturbador dessa afirmativa é que sabemos que Marina fala a verdade. Pior do que isso: Marina é feliz. E se é feliz, talvez seu discurso comece a valer alguma coisa. Tá certo, odeio admitir, mas ela está certíssima. No universo de valores de Marina, servir é o jeito de expressar gratidão pela vida. Ela ama ver as roupas de seus filhos bem passadas, sabe que infância passa rápido e tudo quer fazer por eles o que inclui (pasmem!!) costurar. Uma leucemia na adolescência e a ameaça da infertilidade permanente fez da concepção dos gêmeos o momento mais feliz de sua vida e Marina é agradecida por tudo o que tem. E adora servir.
Não tenho a energia de minha amiga nem me atrevo a imitá-la. Se fizesse metade do que ela faz, cairia de exaustão antes do final da tarde. Felizmente tenho a desculpa de ter um horário de trabalho maior, mas não é isso que me impede de ter mais horas por dia junto à minha casa e filhos. A felicidade de Marina vem de dentro do lar enquanto parte da minha precisa vir do exterior. A vida profissional faz parte do meu equilíbrio. Ver outras pessoas e interagir com a sociedade são outras formas de obter reconhecimento e alegria, elementos que nem de longe passam pelas aspirações de minha amiga que recarrega as baterias nos cuidados que dispensa no lar.
Cada um tem seu jeito, e viva as diferenças. Mulheres tiveram um trabalho danado para mostrar ao mundo que sabiam fazer mais do que lavar, passar, cozinhar e cuidar de filhos. Agora um grupo delas decide, sem culpa, voltar ao lar. E isso não é sinônimo de falta de competência. Lugar de mulher é em qualquer lugar e foi uma pena Dilma ter se atrapalhado tanto. Marina é a típica mulher que poderia trabalhar em turno integra mas priorizou estar mais presente na construção dos futuros cidadãos brasileiros.
‘Quem caminha por que gosta, anda e não se cansa’, já dizia minha avó. Liga, não, Marina. É meu desabafo, meu reconhecimento por sua agilidade e competência no lar e no trabalho, uma admiração com uma pitada de inveja, invejinha branca, daquelas que não destroem seu alvo de observaçã mas que também não entende como alguém consegue cantarolar e fazer bem tanta coisa enquanto eu continuo sem tempo para fritar almôndegas.