Cotidiano

MPF denuncia infiltrado em grupo de resistência por homicídio na ditadura

SÃO PAULO – O Ministério Público Federal denunciou, pela primeira vez, um integrante de um grupo de resistência ao regime militar que passou a atuar como informante da repressão política. Para a Procuradoria da República em São Paulo o médico aposentado João Henrique Ferreira de Carvalho, conhecido como Jota, aceitou atuar como infiltrado na Ação Libertadora Nacional (ALN), organização que integrava a resistência armada à ditadura militar. Para o MPF, Jota contribuiu de forma ?determinante? para o assassinato de três integrantes da ANL.

Arnaldo Cardoso Rocha, de 23 anos, Francisco Emmanuel Penteado, de 21, e Francisco Seiko, 25, sofreram uma emboscada na Penha, zona leste de São Paulo, em 15 de março de 1973. Os agentes responsáveis pela operação eram do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi ) do II Exército, sob as ordens de Carlos Brilhante Ustra e Ênio Pimentel da Silveira, ambos já falecidos.

Para o MPF, Jota tinha consciência de que levaria as vítimas à morte ao prestar informações aos agentes de repressão. Além dele, a procuradoria denunciou também os ex-policiais militares Beatriz Martins, a agente Neuza e Ovídio Carneiro de Almeida, que foram colaboradores do Doi-Codi.

?Não restam dúvidas de que a conduta de João Henrique foi determinante para a morte de Arnaldo, Francisco Penteado e Francisco Okama, vez que, por meio de traição, simulou pertencer ao grupo das vítimas (ALN), e assim, obter informações precisas acerca das suas atividades como militantes políticos?, escreveu o procurador da República Andrey Borges de Mendonça na denúncia.

Caso a denúncia venha a ser recebida, os três podem ser condenados a penas de 12 a 30 anos de prisão. As autoridades pedem que o triplo homicídio seja agravado por motivo torpe (eliminação dos inimigos políticos do regime e impossibilidade de defesa das vítimas). Perícias apontam ainda que, depois de feridos com gravidade, Rocha e Okama foram torturados, espancados e abandonados até a morte na sede do Doi. As necropsias realizadas pelo IML indicavam morte em confronto. Os corpos foram entregues às famílias em caixões lacrados, com ordens expressas para que não fossem abertos.

Segundo o Ministério Público Federal, os assassinatos não prescreveram porque entre outros motivos, o direito penal internacional prevê que crimes contra a humanidade não estão sujeitos a regras domésticas de anistia e prescrição.

De acordo o depoimento do ex-agente de análise do Doi, Marival Chaves Dias do Canto estava em curso na primeira metade dos anos 70 uma operação para exterminar a ALN. Relatório da Comissão Nacional da Verdade, entregue em 2014 à Presidência da República, entre 1969 e 1976, aponta que somente no Doi-Codi de São Paulo foram mortas 70 pessoas. Muitas delas continuam desaparecidas. Segundo o MPF, algumas nunca pegaram em armas.