Cotidiano

Monique Gardenberg encena textos experimentais de Jô Bilac

INFOCHPDPICT000064569373RIO ? Há quatro anos, Jô Bilac levou à cena o que era um de seus mais ambiciosos projetos de dramaturgia, ?Fluxorama?. Após ter despontado com dramas contemporâneos e bem estruturados, que revelaram sua especial sensibilidade para o retrato de aspectos tragicômicos e contraditórios do cotidiano ? ?Cachorro!?, ?Rebu? e ?Savana glacial? ?, ?Fluxorama? veio à tona como uma ruptura. Nela, Bilac interrompia o fluxo e se apresentava como um autor em busca de novos rumos para a sua escrita: ?Escrever é um movimento que precisa ir além de reproduzir esquemas?, disse ele, à época. ?Essa peça nasce da vontade de criar um texto mais próximo à performance, experimentar uma palavra mais solta.?

?Fluxorama? era, portanto, a sua primeira dramaturgia cuja forma não continha apenas uma única história ou narrativa. Em sua primeira versão, que estreou no Rio em 2013, era um tríptico, formado por três monólogos que foram interpretados e dirigidos por um trio de artistas, Inez Viana, Rita Clemente e Vinicius Arneiro.

À época, a mesma composição foi levada à Suécia, e em 2014 foi encenada em Londres. Depois, passou por laboratórios em Nova York, onde foi recriada pelo Wooster Group, e correu o Brasil pelas mãos de Bilac, em muitos workshops de dramaturgia. Em 2016, porém, ?Fluxorama? ganhou um novo formato. Um quarto monólogo foi acrescido ao texto original, e o texto completo foi parar nas mãos da diretora Monique Gardenberg. Após algum estudo, as leituras viraram ensaio, e uma nova montagem chegou aos palcos em São Paulo, no fim do ano passado. Agora, a nova ?Fluxorama? acaba de aterrissar no Rio, no CCBB, e com uma série de trunfos. Além do novo texto, a montagem é guiada por uma trilha sonora original composta por Philip Glass, e os atores ? Deborah Evelyn, Emílio de Mello, Luiz Henrique Nogueira e Marjorie Estiano ? alternam-se em cena por detrás de uma grande tela translúcida, que recebe projeções visuais de diferentes ambientes, num projeto cenográfico coassinado por Daniela Thomas e Felipe Tassara.

? Eu não havia assistido à montagem anterior, mas acontece que, no ano passado, recebi um chamado do Jô e de dois atores, o Luiz (Henrique Nogueira) e a Juliana (Galdino). Eles me convidaram para uma leitura, porque estavam pensando em remontar o trabalho, e aí caí nessa armadilha de ?leitura? ? brinca ela. ? Com esses atores foi impossível não fazer uma peça realmente.

A versão que estreou em São Paulo trazia à cena, portanto, Juliana Galdino e também Caco Ciocler, que foram substituídos no Rio por Deborah e Emílio. As mudanças no elenco, a inclusão do quarto texto e a nova concepção cênica de Monique fazem dessa ?Fluxorama? uma experiência diferente da vista anteriormente na cidade, por mais que a maior parte do texto de Bilac seja conhecida ? ao menos de quem assistiu à peça de 2013. No trabalho, ele cria situações cênicas onde personagens, semiparalisadas, dão vazão a um incessante fluxo de pensamento. São, em suma, personagens desafiados por acontecimentos, situações ou estados físicos e mentais sobre os quais não têm domínio; situações trágicas pois o fluxo ou o funcionamento da vida se mostram imprevisíveis, e fora do controle humano.

? Essa sensação do trágico, de ausência de controle sobre a vida, é cada vez mais sentida por todos nós ? diz a diretora. ? A gente sente isso pela quantidade e pela velocidade com que chegam até nós notícias onde o trágico se manifesta. Seja em relação ao que acontece, agora, nos presídios do país, na ausência de controle sobre aquelas vidas, e sobre as nossas vidas, sobre os rumos do país e do mundo. A gente vê o trágico sendo arremessado a todo momento na nossa direção.

Em cena, Deborah interpreta uma mulher, Amanda, que acorda numa manhã e se percebe surda. Acometida por uma doença degenerativa, ela luta por estabelecer algum sentido à sua nova vida, enquanto perde, gradativamente, seus sentidos. No fluxo seguinte, Luiz Henrique vive Luis Guilherme, um homem preso às ferragens de um carro, entre a vida e a morte, sem controle diante do volante do destino. Na cena seguinte, Marjorie Estiano é Valquíria, uma mulher que se impõe o desafio de completar uma maratona como forma de superar suas fraquezas e descontroles, numa luta por recuperar a própria autoestima. E o quadro final revela Emílio de Mello numa banheiro-refúgio, onde seu personagem busca na meditação e na imaginação uma forma de resistir ao interminável e asfixiante fluxo de informações, compromissos, deveres e responsabilidades que pesam sobre os ombros humanos nos dias que correm.

? Esse último texto chega para apresentar uma possibilidade de transcendência, de furar o trágico ? diz a diretora. ? É um cara que busca sair desse caos e desse bombardeio pela meditação, e assim evoca uma dimensão mais espiritual, existencial, enquanto os outros personagens são afetados pelo trágico dentro de perspectivas mais mundanas.